quarta-feira, 29 de novembro de 2017

de Infância


                               Roberto Evangelista


Os pés no riacho

e um frescor subindo

à cabeça...



Esse pé de vento

não me cansa:

fui parar na infância

de Jardins e Afins:



                            Roberto Evangelista

Em volta da

cerejeira em flor

libélulas fazem amor


Flores germinadas?

Qual nada! Borboletas

camufladas!...

       
A mão que planta

sabe da integridade

da semente?


Coaxos e cricris

invadem devagar a

terra crepuscular


Vagas de vaga-lumes

ou a via láctea

no breu da mata?





terça-feira, 28 de novembro de 2017

uma aposentada


                                         Fátima Fonseca

Toda manhã
oro, arrumo a cama,
tomo café com poesia
em seguida os remédios de uso continuo,
espio meu blog
rego minhas plantas
e quase incrédula
apressada para não desistir  
adubo
sonhos
porque os dias são sem exatidão.


                              Ademir Antonio Bacca
o que escondo
nem sempre é
a minha parte
mais perigosa

um bloco de ternura
hiberna
há muitos invernos
submerso em mim
à espera
de tantos reencontros

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

escrever


amiga dos três porquinhos
ela tinha admiração pelo pedrico
e escreveu seu primeiro bilhete

por favor pedrico
preciso aprender a fazer armadilhas para lobos
venha me socorrer da perseguição do eu palhaço
quando terminou o escrito, sentiu alívio
já haviam roubado lhe a ofensa.

ela nunca mais deixou de escrever.
                                                            Fátima Fonseca



preciso sonhar fora de órbita
por isso vivo tentando 
poesia.

                                      Fátima Fonseca

poessência


“ você vai vivendo algumas coisas e algumas coisas vão vivendo em você”
eu bebo poesia diariamente
logo sou poecólatra.
                                     Fátima Fonseca


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Prestigiando nossos colegas vencedores concurso literário OAP-UFMG



LE BUREAU DU PÈRE



      autor: Sebastião Aimone Braga                                                
tradução: Sebastião Aimone Braga                                                  


Mon père avait un bureau haut

Doù je contemplait ses clients

Le balcon, le gens, le mouvement.

Devant moi, la route en enfance.



Ce bureau avait deux tiroirs.

Le premier, toujours fermé,

Gardait l’argent et une arme,

Qui jamais a été utilisée.

Dans le second: des papiers,

Des timbres, un canif, des livres

des portraits anciens, le mystère.



Sur le bureau, un vieux radio.

Le matin, je l’attache.

J’écoute un bonjour du locuteur.

L’après-midi, c’était les feuilletons.

La nuit, mon père dormait tôt

Et j’allais acompagner mon football,

Mes idoles au milieu du noir et moi.

Au fond, la course peureuse des rats.



Qui était ce mal elevé

Qui envayait ce silence là,

Volait des choses, touchait les cachés,

Essayait son petit pas?



Qui était ce père? Qui était cet enfant?

Quelle histoire écrivait le destin?



Le radio et le bureau n’éxistent plus

Les tiroirs sont de la mémoire

Et mon père reste dans un quai tranquile

Entre les pierres du temps et d’histoire.



Mais ici, je fait ce chant,

Dessiné, gris, en écrivant

À partir des rêves, je me souviens.

Les mots prennent cet enfant.

La vie, maintenant, une immersion,

Et mon père, il est si si distant.



Devant moi, chargé par la mer,

Le radio, le bureau, les tiroirs,

Ils égouttent lentes. Comme le père,

Ils s’envolent sans espoir.

                                     

                             



quinta-feira, 16 de novembro de 2017

para quês



Fátima Fonseca

tenho andado esquecida
datas, nomes...
visitam me  de relâmpagos
as ilusões
como mosquitinhos
farejando os olhos mortos de  fingimento

dor?
só quero a dor inventada na poesia
algumas antigas demais
e tudo vira  poema  novo em mim.
até num traço a lápis nas sobrancelhas
e cada mal traçados subentendidos
além de verso
impulso de vida

essa teimosia de ser
mulher bonita
que também nada impeça
de perseguir a sabedoria
nessa vida cheia de para quês
que a cada dia se esvazia.
  

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

                       Acionildo Albuquerque
Deste-nó. 
Incertos 
são os acertos 
de certos sentimentos

Transformação


Roseane Murray

Fabrico uma árvore
com uma simples semente,
terra escura e quieta,
umas gotas de água.
Pouco a pouco,
de lua em lua,
de folha em folha,
enquanto o tempo
desenha arabescos
em meu rosto,
minha árvore se transforma
em poema vivo,
suas letras são flores,
são frutos, são música

domingo, 12 de novembro de 2017

APENAS ELE


                             Iacyr Anderson Freitas


tudo muito quieto
não fosse o menino
brincando
na memória

eis minha infância
entre os móveis
como o retrato
de cecília
& alguém toca o piano
    apenas ele
    destoa
    da mobília



AFLIÇÃO DE UM JOVEM POETA


                                         Adelaide Petters Lessa

Ele: Livro de poesia
        é como
        teia de aranha.

Ela: Prende a folha, prende a chuva,
        rehidrata a sobrevida.

Ele: É coleta de sangue,
        balanço de suor, colcha de pranto,
        esperma, linfa, baba,
        é mordida, auto-defesa.

Ela: Mas, pelo design,
        espantosa, delicada geometria ...

Ele: Estrela, sistema solar,
        mandala no ar, exágono de êxtases.

Ela: ... sujeita a riscos,
            vendavais, tempestades,
            pedras e lava,
            e críticos impérvios.

Ele: O analfabeto rasga.
        O cego pisa.

Ela: E a mãe conserva,
        entre pétalas de rosa
        e penas caídas,
        azuis, de periquitos.




quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Maria, a matriarca

                                        


                                                          Fátima  Fonseca

Fevereiro, 1902. Estamos no cerrado do norte de Minas Gerais. O dia começava a clarear. Juca arriava  os cavalos e Serafina, sua mulher, passava o café no coador. Eles moravam numa casa dentro da floresta com animais, curral, engenho... Esse dia era domingo e eles se preparavam para ir a cavalo assistir à missa num arraial próximo. Era quase uma pequena viagem, que eles faziam com fé e alegria, pois o padre só ia ao arraial celebrar missas duas vezes por ano.

Do outro lado, embrenhada mato adentro, Ritinha contorcia-se de dores e dava a luz a uma criança. Ritinha era solteira e havia ficado grávida de um colono da fazenda de seus pais. Escondeu essa gravidez com muitos babados e sofrimento. Perder a virgindade solteira seria uma desonra, uma traição imperdoável.  A criança nasceu ali no matagal e Ritinha a jogou entre as folhas de piteira, planta com espinhos, típica do cerrado. - Sinto muito, mas logo, logo você será devorada por algum animal faminto. Se eu a levo comigo, eu é que serei devorada viva pelo meu pai, ou ser apedrejada e cair na boca de todos os moradores dos arredores. Ritinha vivia esse drama.
Ritinha havia ficado livre daquele feto e voltou para casa.

Enquanto isso, Juca e sua mulher, a caminho do arraial, estavam acostumados a ouvir o trotar de seus cavalos cortar o silêncio das estradinhas com matas fechadas, mas naquele domingo eles tiveram que parar os animais para decifrar aquele piado que ecoava distante.  É miado de um gato! Exclamou Juca para Serafina. ­- Não! Estranho! Muito estranho, retrucou ela. Ambos tiveram o ímpeto de descer dos cavalos e foram seguindo aquele som que, quanto mais eles se aproximavam, mais parecia o choro de um bebê recém-nascido. Lá estava Maria Pia, nome que logo recebeu, suja de sangue, cordão umbilical. Serafina tirou suas anáguas, enrolou a menina e retornaram para casa. Maria tornou-se a alegria do casal, que não tinha filhos. A vizinhança daqueles arredores rurais comentava, curiosos, o ocorrido.

Ritinha e sua mãe ficaram mudas, uma sabia que a outra sabia, mas fingiam-se alheias. Aquele assunto pouco foi comentado naquela fazenda.
Do outro lado, Maria crescia entre bichos, cuidados e muito afeto dos pais adotivos. Já estava ficando mocinha, parecia uma índia, morena, cabelos lisos, olhos puxados. Seus pais contrataram um professor para ensiná-la a desenhar seu nome. Compuseram um dote (terreno, arreios, ferramentas, um casal de cada animal e alguns réis), afinal Maria precisava de um pretendente para não ter o mesmo destino da sua suposta mãe biológica. Foi aí que apareceu o Jacinto. Homem de uma família daquela região, com os costumes tradicionais do lugar. Era boa gente, acanhado, franzino, branquinho, olhos azuis. Maria e Jacinto casaram no civil e ritual religioso para alegria de seus pais. Embora Maria soubesse fiar, bordar, cozinhar, pois fora treinada para ser uma exímia dona de casa, ela se destacou mesmo foi nos negócios. Era ela quem decidia o que plantar, o que vender e dizia: - Jacinto, temos que comprar mais terras! Já diziam os antigos: A terra, o ladrão passa por cima e não leva. Esse, sim, é negócio seguro, enfatizava. Jacinto obedecia (não sei se era feliz), mas não reclamava de nada. Juntos tiveram 14 filhos, todos nasceram lá no meio do mato, saudáveis, parto normal, parteira, banho de bacia. José, o segundo filho daquela escadinha, é o meu pai, e eu, mais uma Maria dentre as inúmeras Marias dessa linhagem familiar.

Essa minha avó, uma matriarca de quem se tomava a bênção, para todos nós era a Deusa do saber, com quem todos se aconselhavam. Mal assinava seu nome, suas compreensões de Deus vinham através da natureza, do ouvir e, principalmente, do sentir.
Um dia, conversando com ela, me lembro de que estava beirando seus noventa anos, e com muita sutileza, eu queria saber sobre mágoa e superação, se havia feridas.

Ela me disse: Aqui na redondeza a minha historia é um conto dramático. As pessoas acham que eu carrego comigo o trauma de ter sido abandonada, que não podem comentar comigo esse assunto. Ledo engano! Não tenho o que lamentar. Acho a vida muito boa. Basta olhar o nosso quintal: as flores da pitangueira querem ser pitangas, as flores da pimenteira querem ser pimentas, as flores de mostarda querem ser mostardas, cada uma no seu jeito. Eu vim ao  mundo ao meu jeito, chorei e me esforcei para ser Maria. Simples! O importante é que estou aqui. E sorriu. O único sentimento que carrego dessa historia é de piedade, piedade de minha mãe, que me gerou e que certamente viveu um drama carregando consigo a dor. Abraçamo-nos longamente.


                                                 Wilson Pereira
FUGA

O menino fugiu-me
sem que eu visse
por onde:

foi atrás da estrela caída,
foi colher uma flor do campo
e se perdeu de mim
que andava tão longe?

Ou o menino
subiu pelo arco-íris
pensando que era ponte
entre mim e o horizonte?

Ou o menino
fugiu-me

com medo de ficar grande?


VISÃO

Da janela
eu me vejo

                            indo.

Vou em mim
e me espero:

eu
vindo
me vejo
                   na janela.


AMBOS

Outro dia
passando por mim

eu quase me reconheci

mas íamos
ambos apressados

um para o futuro
o outro para o passado.


FAGULHAS

Vou incinerar este dia
com o fogo do crepúsculo

e depois
com sôfregos músculos
vou escavar sob as cinzas
um sonho
e outros aindas.


OUTRO

Querida,

quem te amou
fui eu,

não sou eu.


EUS

Dos eus
que me habitam
um há que me intriga:

hipócrita, mesquinho.

Mas qualquer dia,
quando estiver dormindo,
eu saio devagarinho,
apago a luz, bato a porta
e o deixo, para sempre,
sozinho.


SOU

Enquanto penso
enquanto pulso
sou um pequeno
Deus avulso.


SAÍDA

Resolvi meu dilema:

antes do fim,
na hora extrema,
vou sair de mim
e viver num poema.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

                                                           Isaac  Ramos

CARDÁPIO LÍRICO
Sirva-me tua concha molhada de versos
Sirva-me um verbo lambuzado de gestos
Sorva-me em gotas como delírios poéticos
Embriaga-te com lírios
Enquanto tocas liras inconfessas.

DOCE METÁFORA
O teu canto é uma nota solta
O teu grito uma carícia frouxa
O teu pranto uma gota louca
Mas o que mais admiro em você
É esse incrível sabor de metáfora.
(RAMOS, 2007, p. 1).

ÚLTIMO POEMA
Sangro centelhas líquidas e dementes
Deságuo em uma mulher exposta ao seu holocausto
Absorvo-a em doses duplas de pecado
Sirvo-me no seu cálice rubro de recato.
Bebo-a em sacrifício silente
Mordo enseadas úmidas de metáforas
Extasio-me na tinta verde dos seus olhos tintos
Liquefaço-me em ritmos que a deliciam.
Gota a gota embebo-a em venenos
Retiro dela o mais puro antídoto
Que evapora nas dobras de um poema
Enquanto escrevo nela o dilema da minha poesia.
(RAMOS, 2007, p. 3).


CONCHAS DE SILÊNCIO

Eu me visto com conchas de silêncio
Solto um grito de verso
Que escorre
Nas areias do deserto...
O oásis me contagia de sinestesias.

TINTAS

Tanto me tentas com tuas tintas
Que tuas tintas tanto me pintam

Tanto me pintas nas tuas linhas
Que tuas linhas tanto me rabiscam
Tanto rabiscas nas minhas páginas
Que minhas páginas tanto me tentam.,

Tintas, tentas, pintas, linhas.
Rabiscas os meus rascunhos
Que eu te passo a limpo.

MUSA PASÁRGADA

                                                        Rosidelma Fraga


Vim outrora pra Pasárgada
E aqui sou amante de índio...
Tenho o verde que anseio,
o flanco denso do rio branco
Que na orla despe meu pranto.

Ao canapé das papoulas
palpitam minhas duas metades:
A metade da alma pantaneira
E o lavrado das cinzas do norte.

Fênix nua, sem pudor, sem Persa,
sem Rei e de grinalda majestosa,
vem cantar e sambar à beira-mar...
E de amar-te tanto, amada Roraima
Travisto-me na cama de Anactória
E tu te tornas minha Musa enamorada.

sábado, 4 de novembro de 2017

Parabéns ppoeta! Que venham os anos!


Uma amiga


Solange Amado

Olhinhos azuis. Cabelos como uma névoa branca em torno do rosto. Mãozinhas pequenas e finas, sempre agitadas. E para por aí sua semelhança com uma doce velhinha. Nem velhinha, nem doce. Aliás, velhinha é a mãe! E doce é a senhora sua avó! Arrisco minha vida ao dizer que tem um ar maternal. E tem. Mas é só para enganar os incautos.
Vez em quando roda a baiana. Tem cabelo nas ventas. Nasceu assim. Pra todo mundo segurar o fôlego quando conversa com ela. Não use diminutivos. Se você disser que ela parece sua vovozinha, tão meiguinha, danou-se. O trem fica feio. Você pode levar um catiripapo no pé da orelha ou um dedo em riste no nariz, pra desfazer de vez essa má impressão de que ela é uma coisinha fofa. Não é. Ela aceita o coisinha. Nunca o fofa.
Segura a vida nos dentes. E cospe o bagaço do que é pouco saboroso. Namora de longe, mas olha meio de banda pro feminil. Homem bom mesmo pra ela é o Bento. Assim meio chucro, pouco lapidado. Aquele que pega, joga na parede e chama de lagartixa. Depois manda flores. Morde e assopra. Vem e vai. Desde que venha na hora H.
Aliás, pra quê garfo e faca? A vida é pra comer com as mãos. Essa coisa insossa, natureba não é com ela. Tem que ir ao tutano. Haja energia pra compartilhar essa viagem.
Produz versos. É importante ressaltar. E quando o Espírito Santo baixa na sua horta, não se faz de rogada. Vai lá e confere. São versos fortes, às vezes ácidos, às vezes amargos, mas o açúcar está sempre no fundo.  E acaba arrastando seus companheiros, seus leitores, seus amigos, ao paraíso, levados pelo canto dessa sereia, meio menina, meio mulher. Um tanto recalcitrante. Meio empacada. Sempre com a espada em riste, lutando com os moinhos de vento da vida e da morte.
Esta é minha amiga Cida. Olhinhos azuis, mãozinhas delicadas, versos fortes, cabelo nas ventas.
Volta e meia bota o dedo no nariz da gente: “Sabe com quem está falando?” Mas é só sacudir que embaixo tem mel.
Feliz aniversário minha amiga! Muita energia e bênçãos!

                                                     

O CANTO DO RIO

       
 Sebastião Aimone Braga 

Apparecida tem um todo de rio
Muito azul no mar dos olhos
Águas transparentes, caudalosas
Ondas e paisagens, longa corrente.

Murmúrios e gritos, bentos arrulhos
Nas curvas amplas, derrama-se em versos
Duas margens completadas em filhos
E a terceira, música e transcendência.

Apparecida soa como via continuada
Transparece em idas e vindas.
Escrita de dois pês, muitas letras
E Mattos, espraiar duplo de verdes.

Nasceu perto do mar, Juiz de Fora.
Ares e mistérios das montanhas
Em tons de cinza e azul, horizontes.
Vivência dinâmica da criação paulista.

Máquina de escrever, de poetar,
Buscas e caminhos, águas à flor da pele
Mais um dia, mais e muitos versos
Em seu universo e neste aniversário!
                                                              

                                                        

MUITO ALÉM DO PONTO E VÍRGULA


 Marilurdes Nunes 

Logo no primeiro dia, muitas surpresas.
O professor deu um tema e eu fiquei lá concentrada, tentando escrever alguma coisa inteligente. Mas os minutos eram escassos.
Pouquinho depois de lançar o desafio, ele já cobrava resultados.
Meu caderno estava em branco. Os neurônios talvez estivessem com preguiça, desacostumados daquele ritmo frenético.
Pensei com meus botões: - Ninguém consegue produzir nada neste tempo tão curto. Este professor deve estar biruta.
Mas ele sabia exatamente o que estava fazendo.
Enquanto a minha tempestade de ideias não produziu sequer uma faísca, lá no fundo da sala, alguém disse:
- Já escrevi. Posso ler?
Olhei admirada para aquela senhora. Lindos cabelos brancos, com um cacheado natural, elegante em sua roupa muito bem combinada.
E os olhos?  Duas pedras preciosas, brilhando com luz própria.
Pensei: - Não é possível! Como pode alguém escrever alguma coisa que preste em tão pouco tempo?
Duvidei.
Mas a senhora em questão me surpreendeu com um texto original, criado assim em um zás.
- Quem é essa mulher? Fiquei pensando, curiosa.
Perguntei a um colega: - Como se chama a colega?
- Cida.
- Como é que ela faz isto?
- Ela é boa de ideias.
Cida me conquistou assim, na primeira aula.
Passou a ser, para mim, uma referência.
Gosto de seus textos e do capricho como apresenta o que produz em casa.
Em tudo que ela faz, coloca sentimento, experiência, humor e alma.
E amor também, já que o Bento sempre aparece.
Pelas lições que você sempre me dá:
Obrigada, Cida!





Parabéns Cida!

                           
        
                                  Neuza Lima

Abençoada insônia
E o sono não quis dar sua aparecida.
Bingo!
Vou levantar e escrever para a Cida.
Esta mulher aparecida
De todo lado que se olha se vê.
Agora com seus cabelos à lá moicano,
Mais aparecida ficou.

Seus versos vicejam,
Enchem de vida nossas aulas.
Às vezes cruéis,
Na maioria, suaves e fieis.

Parece que você vai dar uma desaparecida.
Logo você, Aparecida!
Tá bom, a gente deixa.
Mas não demore muito,
Que a santa, também Aparecida,
Traga-te rápido de volta.




quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Escrivaninha do Pai


Sebastião Aimone Braga

Meu pai tinha escrivaninha alta. De onde eu contemplava a vida,
Ali representada pelos moradores, balcão, a estrada em frente.
No meio, havia duas gavetas.
Numa, trancada, o dinheiro da venda, o revólver nunca usado.
Na outra: papéis, selos, canivetes, retratos antigos,
Cadernetas dos fregueses, longas histórias de dívidas
Divididas entre jornais velhos, cartas e mistérios
No ministério de infância do menino atônito.


Em cima da escrivaninha, um rádio antigo
Ligo.  Ouço o bom-dia pela manhã
A voz do locutor dialogando comigo.
À tardinha, eram as novelas e D”Artagnans,
Jerônimo, o herói do sertão, Moleque Saci
E os livros que encontrava ali.
À noite, o pai dormia cedo.
E eu ia ouvir meu futebol.
Torcia sozinho em meio ao breu da venda
Vendo a corrida assustada dos ratos.
Quem era aquele atrevido que invadia o espaço,
roubava guaraná e mexia no escondido,
engasgava diante do ídolo, miúdo passo?


Quem era aquele menino?
Quem era aquele pai?
Que história escrevia o destino?


Rádio e escrivaninha não existem mais.
As gavetas são as da memória.
E meu pai descansa num tranquilo cais
Entre as pedras do tempo e da história.


Mas aqui dentro do peito
Ajeito este necessário espanto
Este canto de saudade
Desenhado, cinzento, em sonho.
E pela secura aparente das mãos inábeis,
A repetir imagem e gestos, o poeta
Põe-se a reescrever laços e lembranças.
A palavra e o verso dão a mão à criança.
A vida, agora, puro mergulho. E o pai, distante.
Diante de mim, rádio, escrivaninha e gavetas
Escorrem lentos como o pai, sem esperanças.