quinta-feira, 31 de julho de 2014

Sou hoje um caçador de achadouros da infância.
Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.
Manoel de Barros

sábado, 26 de julho de 2014

Mia Couto in (Para Manoel de Barros, meu ensinador de ignorâncias)
"Estou sem texto, enriquecido de nada. Aqui na margem de uma floresta em Niassa, me desbicho sem vontades para humanidades. Entendo só de raízes, vésperas de flor. Me comungo de térmites, socorrido pela construção do chão. No último suspiro do poente é que podem existir todos sóis. Essa é a minha hora: me ilimito a morcego. Já não me pesam cidades, o telhado deixa de estar suspenso ao inverso em minhas asas. Me lanço nessa enseada de luz, vermelhos desocupados pelo dia.
Nesse entardecer de tudo vou empobrecendo de palavras. Não tenho afilhamento com o papel, estou pronto para ascender a humildade, simples desenho de ausência. Na tenda onde me resguardo me chegam, soltas e dispares, desvisões, pensatempos, proesias."

quinta-feira, 24 de julho de 2014

delicadeza

Manoel Bandeira
"Eu gosto de delicadeza.
Seja nos gestos, nas palavras, nas ações, no jeito de olhar, no dia-a-dia e até no que não é dito com palavras, mas fica no ar..."

terça-feira, 22 de julho de 2014

Máquina do mundo

Antonio Gedeon

O universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.

sábado, 19 de julho de 2014

Rubem Alves e João Ubaldo marcaram um encontro nos céus!

João Ubaldo Ribeiro


Viva João Ubaldo Ribeiro !
André J. Gomes -

É que tem gente que deixa o mundo melhor, né?
Tem gente que abre o riso e o tempo. No meio de tanta bobagem, tanto desgosto, tanto ranço, tanta empáfia, tem gente que faz a vida mais simples em toda a sua complexidade.

Tempos difíceis, os nossos. Já faz tempo que é assim.
É que a gente aprendeu a levar o carro adiante no tranco. Aprendeu o ritmo louco das coisas, descobriu como faz pra seguir em frente quando sobe e quando desce.

É que tem gente que ajuda muito. Gente que ilumina, farol na praia selvagem, luz na picada estreita, fogo estalado no silêncio frio que vez ou outra toma a alma da gente.

Tem gente que inventa que a vida vai ser mais simples e mais bonita e interessante e ai dela se não for.
Gente que transforma seu tempo em graça e inteligência só porque existe.

Gente que é força da natureza, que troveja quando fala, venta quando caminha e transforma quem o vê, quem o ouve e quem o sente.

Ah… mestre. Agora me dou conta de que dei seu nome ao meu filho.
Não foi por sua causa, não. Mas é uma coincidência boa, dessas que você me ensinou a ver por aí.
Agora percebo quantas vezes a sua risada me empurrou à frente, quanto do seu pensamento ora esclareceu o meu, ora bagunçou tudo, quantas brigas imaginárias contigo me fizeram mais safo.
Quantas vezes eu senti vontade de ser você.

Obrigado, homem da ilha, baiano da gota.
Viver é mais doce e mais bonito porque vira e mexe Deus manda gente como você fazer das suas aqui embaixo.

E, olha, tem tanta lembrança sua por aqui que a saudade que já existe quase não vai aporrinhar tanto.
É que tem gente que nasce, vive e não morre nunca mais.

Viva João Ubaldo Ribeiro!

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Rubem Alves
"Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata.
Quem tenta ajudar um broto a sair da semente o destrói.
Há certas coisas que não podem ser ajudadas.
Tem que acontecer de dentro para fora."

terça-feira, 15 de julho de 2014

Meu segredo

Antônio Frederico de Castro Alves

Eu tenho dentro d'alma o meu segredo
Guardado como a pérola do mar;
Oculto ao mundo como a flor silvestre
Lá no vale escondida a vicejar.

Eu guardo-o no meu peito... É meu tesouro,
Meu único tesouro desta vida.
— Sonho da fantasia — flor efêmera
Uma nuvem, talvez, no céu perdida ...

Mas que importa? É uma crença de minha alma
— Gota de orvalho d'alva da existência
Última flor, que vive aos raios mornos
Do sol de amor na quadra da inocência.

Só, quando a terra dorme solitária
E ergue-se à meia-noite, branca, a lua,
E a brisa geme cantos de tristeza
Na rama — do pinheiro — que flutua;

E quando — o orvalho pende do arvoredo
Que se debruça p'ra beijar o rio,
E as estrelas no céu cintilam lânguidas
— Pérolas soltas de um colar sem fio;

Então eu vou sentar-me sobre a relva,
Eu vou sonhar meus sonhos ao relento,
E só conto o segredo de minh'alma
Das horas mortas ao tristonho vento.

*            *            *

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Fátima Fonseca
próximo ao canavial
avistei um banquete de carniça
que homenageava os urubus: 

terça-feira, 8 de julho de 2014

Gargalhada

João Guimarães Rosa

Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...

sexta-feira, 4 de julho de 2014

infância na roça


pé no chão
bicho de pé
banho na bacia
fogão a lenha
água na cuia
boca na botija
rapa do tacho
café no bule
melado no dedo
arroz de pilão
feijão de corda
forno de barro
ferro de brasa
mata burro
milho assado
chá de chaleira
cutucar galinha choca no ninho...
sou canto da chuva no telhado, das pastorinhas e foliões
manto de flores miúdas do cerrado
sementes que rebentam:
estrelas, flores e letras
F.Fonseca
luzdocerrado.blogspot.com.br

quinta-feira, 3 de julho de 2014

LÁ EM CIMA.


"E quando eu me curvar
cansado de tanto lutar
para o céu hei de olhar
e entre nuvens procurar
uma luz, um luar
talvez um lar
um lugar
coisa assim
que me faça sonhar
cutuque minha alma
até a bendita acordar"
autor desconhecido