sábado, 26 de dezembro de 2015

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Augusto dos Anjos

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

ano novo

Fátima Fonseca
gosto do tempo assim
me levando os anos
me tatuando rugas
me curvando na ilusão
anoiteço e amanheço
pra colocar de pé a esperança.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015


Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor.
Acho que a poesia está contida nisso tudo.
Carlos Drummond de Andrade

sábado, 12 de dezembro de 2015



Cristo foi um dos grandes poetas do mundo - tanto que já passaram 20 séculos por cima de suas palavras e elas são vivas e reviçadas todos os dias.
Manoel de Barros

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Se tiveres que ir, vai.


Flora Figueiredo
Se tiveres que ir, vai.
O que fica para trás,
não sendo mentira,
não racha, nem rompe,
não cai. Ninguém tira.
Já que vai, segue
te depurando pelo trajeto,
para desembarcar passado a limpo,
sem máscaras, sem nada,
sem nenhum desafeto.
Quando chegares, sobe ao ponto
mais alto do lugar,
onde a encosta do mundo
faz a curva mais pendente.
E então acena.
De onde eu estiver,
quero enxergar esse momento
em que vais constatar
que a vida
vale grandemente a pena

Vento novo
Flora Figueiredo

Estava enrolada
em teias e traças,
debaixo da escada,
lá no subsolo
da casa fechada.
Começava a tomar ares de desgraça.
Manchada do tempo,
fenecia
a esperar que um dia
alguma coisa acontecesse.

Antes que se perdesse completamente,
sentiu passar um vento cor-de-rosa.
Toda prosa, espanou a bruma,
pintou os lábios
e sem vergonha nenhuma
caprichou no recorte do decote.
A felicidade volta à praça
cheia de dengo e de graça,
com perfume novo no cangote.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Escrevo como quem canta ao chuveiro: mal e unicamente para o meu próprio deleite.
Leonardo von Mühlen

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

sábado, 28 de novembro de 2015

piolho poético

                                   
 (Fátima Fonseca)
  
subi pelo paletó do poeta
cheguei ao seu eu lírico
sorvendo as letras 
como se fosse comida
fiquei enfeitiçado pela magia
e apaixonei por essa cabeça

tão logo fui descoberto!
que ironia a minha                                                                   
acreditar em ir mais além
fui levado para as pontas dos dedos
poesia vai
poesia vem
eu penso:
sou apenas um piolho qualquer

espremido entre as unhas
derramei em vermelho
uma caneta por favor!
preciso escrever com seu sangue:
poesia-me


quinta-feira, 26 de novembro de 2015


(...) tinham-me feito descobrir uma riqueza inédita: a solidão rodeada de livros.
Miguel Torga

Súplica


Miguel Torga
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

PRECISO PARA


Marina Colasanti
Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter olhos de sal
boca de peixe
e o vento frio batendo nas escamas.
Preciso que uma proa atravesse a carne
cá dentro
para andar sobre as águas
deitar nas ilhas e
olhar de longe esse prédio
essa sala
essa mulher sentada diante do computador
que bebe a branca luz eletrônica
e pensa no mar.

domingo, 22 de novembro de 2015

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

escrevo, com a ponta dos nervos,
meus versos praquês
sem ter
eu por quês, - com o grão de meus dedos,
cegamente, correndo as paredes
sem poder lhes passar

 Manoel Huires Alves

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

máquina de costura (homenagem a minha tia Cida. amor desdobrado em materno e poesia)


                                                           Fátima Fonseca
bastou eu receber da amiga Antônia  
a foto daquela máquina de costura  
que desabotoou dentro de mim 
os seus pés pedalando 
os carreteis 
as fitas 
os tecidos de florzinhas miúdas...
e as sábias palavras da minha tia Cida 

sinto seu ar triste e meigo 
fazer cafuné nos meus olhos de suplicio 

agora quem es tu que esvais demente, trêmula, atrofiada? 
estas em mim e fora de mim 
Senhor que fazer com esse desfecho? 
que fazer com tanta angustia? 

costureira de mão cheia 
sua arte era cerzida de poesia 
me lembro que as vezes recusava um convite qualquer dizendo: 
"não posso! estou apertada de costura"

impotente diante do quadro 
só me resta elevar uma oração 
fé que me ensinaste.  

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

café, prosa e poemas na terça escrita




No quintal da menina tinha "caliandra",
Mas ela nunca soube.
Tinha vassourinha
Esponjinha-vermelha
Broche-rubi-de-princesa.
Mimosinha.
Tantos nomes possuía a flor
espalhada entre as pedras e capins
Porém, caliandra, ali ninguém conhecia.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015



gosto das palavras com pele
vestidas com discreta elegância
seja do direito seja do avesso
seja pra elogiar seja pra vomitar
essa virtude silenciosa
de falar do infamo com exuberância.
                                    fátima fonseca

domingo, 8 de novembro de 2015

mundo da lua


sempre vivi no mundo da lua
conheço cada miudeza dos céus

já fui balharina em festas de urubus
                                                  fátima fonseca

sexta-feira, 6 de novembro de 2015


Algumas de suas frases lapidares

"A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, as mais delas, capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo..."

"Não precisa correr tanto, o que é seu às mãos lhe há de vir..."

"A mentira é muita vez tão involuntária como a respiração."

"Mas o tempo, o tempo caleja a sensibilidade."

"Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, não se diz."

"(...) Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis (...)"

"Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!"

"A gratidão de quem recebe um benefício é bem menor que o prazer daquele de quem o faz."

"As coisas valem pelas idéias que nos sugerem."

"As pessoas valem o que valem para a afeição da gente."

"Lágrimas não são argumentos."

"O dinheiro não traz felicidade — para quem não sabe o que fazer com ele."

"Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar."

"Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar."

"É melhor, muito melhor, contentar-se com a realidade; se ela não é tão brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir."

"O acaso... é um Deus e um diabo ao mesmo tempo."

"Eu sinto a nostalgia da imoralidade."

"A moral é uma, os pecados são diferentes."

"A loucura é uma ilha perdida no oceano da razão."

"A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal."

"Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno."

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

amor


na pele do meu jardim
bichinhos com asas
namoram as violetas

meu coração disparou
e eu fiquei em silêncio, quieta...
sentindo  o brotar
o pulsar das violetas
roxas de amor.
                                  fátima fonseca



orvalhos derretendo 
de amores pelo sol
a luz  do dia
e eu poesia-me
                                        
Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
                                   Paulo Leminski

A partir desta data,
Aquela mágoa sem remédio
É considerada nula
E sobre ela, silêncio perpétuo.
                               Paulo Leminski

O destino quis que a gente
se achasse, na mesma estrofe
e na mesma classe,
no mesmo verso
e na mesma frase.
                              Paulo Leminski
isso de querer ser 
exatamente aquilo 
que a gente é 
ainda vai 
nos levar além
          Paulo Leminski

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Noite adentro



Atado a um barco na noite
o sono curva-se sobre si mesmo,
entregue ao movimento secreto das ondas.
Durmo, acordo, vem dos livros fechados
o cheiro escuro dos sargaços.
Neste quarto, noite adentro, percebe-se
a presença perturbadora do mar:
nas estantes, nos tapetes, nos móveis submersos.
Nas paredes lisas de cansaço.
Sou jogada no sono de um sonho a outro,
lançada entre corais, como um peixe
que dorme na ressaca.
Quando for preciso novamente
acordar para o dia,
o mar terá se afastado lentamente
e voltado a ocupar o lugar
onde o vejo
pela janela esquerda do quarto.

Ana Martins Marques

terça-feira, 3 de novembro de 2015

amor


sim poeta o amor é líquido!
escorregadiço
pode vazar sem alardes
e não adianta repor de cuidados
depois que ele aprendeu a escapar.
                                              fátima fonseca

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

pupilas dilatadas de estrelas,
pele empolada  de emoções,
alagamentos de saudades torrentes,
pancadas de frustações
beijos crateras.

acorda!  você exagera demais
                                           fátima fonseca

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Quero uma palavra de fazer sonhar.
Dá-me, poeta,
uma choupana discreta
à beira do lago,
com névoa densa de alvorada
pairando, em sentinela,
convocações a melancolias escorridas
como as gotas suadas na janela,
ali onde habita a espera,
mais nada...

Empresta-me um amor ardente,
alcaloide palavra,
daqueles que se constroem
por carnes delgadas
de uma musa incoerentemente bela,
fazendo que não sabe de nada
daquele jeito que reivindica o desejo
e foge
com suas curvas, rendas, seda e sorriso raro,
deixando o rastro da necessidade de lhe invadir
sem poder, claro...

Rapte-me à sala branca, poema,
sem paredes, teto ou chão,
o nada em construção
onde nascem as concepções,
pré e pós de todas as coisas,
que carrega,
sem um símbolo sequer,
a significação interna mais pura,
última, definitiva,
e, pela letra,
eleva a vida...

Convence-me, artista,
das verdades que tu crias
como entorpecente recreio,
essas milagrosas fantasias
que tanto existem quando leio...

*        *        *

Adriano Dias
Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles



Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Cecília Meireles

cerrado de mim gerais

ela nasceu alí
entre os garranchos e brotos do chão
cresceu comendo arcos íris
arrotando pores de sol
embriagando de cores
dormia de barriga para cima
nas palhas de bananeiras
fingia ser fada
curvava todas  as retas
esbarrava nas nuvens do azul
e arregalava os olhos fechados
já nas pontas dos pés
tocava a linha do equador
meio do mundo
onde o riso o choro a fome
e até os sonhos eram iguais.
                                       Fátima Fonseca


                                      


escreventes na Academia do Café


escreventes na Academia do Café



quarta-feira, 28 de outubro de 2015


Carlos Drummond de Andrade, em uma de suas cartas para sua filha, Maria Julieta, a aconselha:
“Escreva minha filha, escreva. Quando estiver entediada, nostálgica, desocupada, neutra, escreva. Escreva mesmo bobagens, palavras soltas. Experimente fazer versos, artigos, pensamentos soltos. Descreva, como exercício, o degrau da escada do seu edifício (saiu um verso sem querer). Escreva sempre, mesmo para não publicar. E principalmente para não publicar. Não tenha a preocupação de fazer obras primas; que de há muito já perdi, se é que um dia a tive. Mas só e simplesmente escrever, se exprimir, desenvolver um movimento interior que encontre em si próprio sua justificação…”


Tenho raízes no cerrado
que regam meus sentidos

Aos versos e reversos
de um jequitibá retorcido
                         fátima fonseca



terça-feira, 27 de outubro de 2015



Haverá, ainda, no mundo coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?
Mário Quintana




segunda-feira, 26 de outubro de 2015

minha mãe embalava o berço
cantarolando:
lua luar pega essa menina e me ajuda criar.
cresci menina, mulher sempre com a cabeça na lua.

fátima fonseca
no terreiro da nossa casa
todas as coisas tinham asas
flores com asas de borboletas
jandaias nas laranjeiras
urubus nos céus
moscas na lama

e eu ganhava asas no meu cavalo de pau.
                                                        fátima fonseca

domingo, 25 de outubro de 2015

na sala da nossa casa
humilde e sincero
um vocativo com moldura:
"Deus está nesta casa"
                                      fátima fonseca

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

no chão do meu travesseiro
desfolha  sonhos
amarelados , ressequidos... 
meu Deus, renove-os!

  
fátima fonseca
Incendio
o açucar derreteu-se  pelo fogo
ah..., a paixão é líquida!

se não fosse o desatino!?... fátima fonseca

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

POEMAS ESCOLHIDOS DE ANTÓNIO VILHENA

Amor oculto
Há um amor indizível à espera dos corpos
um amor quase oculto feito de sombras
e desejos que não cabem
nas palavras de um amor convencional.
Há um arco sem fim entre as margens
dessa espera, um dragão de fogo renascido
na esperança onde a solidão é coisa
de adolescentes e de amantes separados.
Há a voz indelével como as águas livres
da montanha o eco e a insónia no rubor
da tua face branca onde adormecem
as noites e o luar das mãos.

- António Vilhena, em "Só há uma vida e uma morte". 2015 (inédito).


Cuidar de ti
Cuidar de ti é trazer a Primavera cativa
os aromas do amor num aquário azul
peixes e beijos desenhados na boca.
Cuidar de ti é acordar corpo a corpo
eternidade dos instantes sem pressa
num mar de desejos em pleno fogo.
Cuidar de ti é ser tudo quanto somos
guardar o antes e o depois na melodia
de um verso que viva dentro de nós.
Cuidar de ti é dar-te sem que me peças
nunca é muito se nos damos ao outro
e ao sonho nesse mar a que regressas.
- António Vilhena, em "Só há uma vida e uma morte". 2015 (inédito).


Dor
Quando o nosso amor está doente
as estrelas parecem ainda mais distantes
há uma dor indizível sob a pele mesmo se não dizemos nada.
Sei do que falas quando falas dessa dor
que nos acorda ao nascer do dia
e se entranha quando as aves nocturnas saem para a caçada.
A dor mais funda é onde a liberdade atravessa o olhar
como um rio levada na corrente inadiável
de um amor inteiro sem lágrimas.
- António Vilhena, em "Só há uma vida e uma morte". 2015 (inédito).


É tão nosso...
É tão nosso este amor, poético e puro, sorridente e alegre!
É tão nosso o cheiro a manhã, o pão quente partilhado,
com meio-beijo ou beijo inteiro, a gargalhada esvoaçante.
É tão nosso o olhar que derramamos sobre a varanda
em busca do sol ou, ainda, quando ficamos em silêncio
adivinhando as viagens nos corpos tatuados a sémen.
É tão nosso esse gesto de pedir colo sem dizer nada
com a ponta dos dedos e acrobacias sensuais.
É tão nosso o tempo sem pressa e as palavras da noite
segredadas na pele, iluminada de horizontes e sonhos.
É tão nosso não pedir nada, ser apenas de cada um
onde permanece o muito que nos quer.
- António Vilhena, em "Só há uma vida e uma morte". 2015 (inédito).


Nos poemas onde as metáforas
Nos poemas onde as metáforas
e as tranças se desnudam
as cumplicidades e os abraços
enlaçam as árvores
entre o perto e o longe
nesse mar de sargaços
onde tudo parece pouco
quando estamos a dois
e o tempo antes de o ser
era mais que o teu nome
num vale de pétalas.
- António Vilhena, em "Templo do fogo insaciável". Coimbra: Caracol Edições, 2013.



Olhei-te nos olhos
estavam lá todas as paisagens que cresceram no silêncio,
onde apenas sobrevivem os que se entregam pelo coração.
Vi o que outros não viram antes e, talvez, os que hão-de vir.
Vi a púrpura nos lábios, tinta de muitos poemas,
subtraída ao luar nesse imenso espelho de água,
onde se afogam as mágoas e as tormentas.
Vi o Adamastor sulcando a porta das especiarias,
temor de naus e caravelas antes e depois de Calecute.
Vi o Minotauro lançando-se sobre o linho indefeso das Vestais.
Vi o que outros não viram antes e, talvez, os que hão-de vir.
Vi a beleza num castiçal luminoso, cercado de sombras e de medos
sob a mão indizível do mestre-de-cerimónias.
Onde se abriam rosas, havia paredes brancas e barra azul
para perpetuares as manhãs e o céu nos meus olhos.
Vi o que chega tarde e nunca vai embora: a arte inquieta dos instantes,
dividindo os dias e as noites numa cegueira cúmplice.
Vi o que outros não viram antes e, talvez, os que hão-de vir.
- António Vilhena, em "Só há uma vida e uma morte". 2015 (inédito).


Planície
Nos seus rostos não há lugar para ironias
a planície inteira está na pele
queimada como tatuagem da terra.
Quando a noite chega
os círios sinalizam
os percursos da intimidade
e a solidão ganha vida nas trevas
dos que ficam sem companhia.
Nunca um alentejano cantou sozinho,
a sua voz ecoa solidária, o silêncio atravessa
um tambor de paixões
orquestrando o amor de Orpheu e Eurídice.
- António Vilhena, em "Canto imperecível das aves". Coimbra: Caracol Edições, 2012.


Saudade
Olho-te na fotografia. Está lá um horizonte,
uma página à tua espera para escreveres, depois
de tanta ausência. Estão lá as linhas convergentes
como uma nódoa de esperança na pele branca
do poema. Não sou capaz de dizer os instantes à
beira do cais, onde aceno aos navios que outrora
visitaram os meus sonhos, como se estivesses nas
rotas de todos os encontros e as tuas mãos fossem
velas puídas pelo tempo. Olho-me na fotografia.
Acrescento-lhe os anos, mas não posso inventar
o que não vivemos.

há vozes  no escuro que me rondam
há sementes debaixo das pedras que me conhecem
que lugar é esse que me olha como se eu ainda fosse uma menina?

******
embora minha atração pelos loucos equilibra entre a razão  e poesia.
minha intenção é de ser lúcida.
******
no reino animal já fui crocodilo
rasteiro  silencioso  pele polida.
mordida certeira ou traçoeira?
quantas vestes meu poema precisa?
******
quero esfregar no seu olhar de sabichão domador minhas artimanhas de santinha extraviada
quero pingar no mel dos seus olhos meu sangue cigana enganadora.

********

comigo ninguém pode
rastros brancos no verde
são pegadas de anjos que me rodeiam e me guardam
como a menina dos olhos

fátima fonseca

terça-feira, 20 de outubro de 2015

a cantilena do vento
nas folhas  dos canaviais
ainda cantam de longe
nos meus pensamentos.

                                    fatima fonseca

segunda-feira, 19 de outubro de 2015



Poema: Francisco Rafael Dantas (França in memorian)



Casa velha abandonada
Caída sobre os escombros
Lá na beira da estrada
Servindo até de assombros
Seus moradores de outrora
Quem não morreu foi embora
Pra morar na cidade
Quem conhece seu passado
Passando hoje ao seu lado
Sente tristeza e saudade

As corujas e os morcegos
Hoje são quem moram nela
A procura de sossegos
Se apoderaram dela
A poeira se entranha
Em tecidos de aranha
Enfeitando um quadro triste
Nesta velha moradia
Onde outrora era alegria
Hoje a solidão existe

Nos janelões estragados
Ao lado do corredor
Ali alguns namorados
Fizeram juras de amor
Hoje se escuta o rangido
Do tabuado encardido
Castigado pelo vento
E a tramela no chão
Talvez com recordação
De algum feliz momento

Num canto de agerol
Entre farrapos de panos
Vive um velho rouxinol
Morador há muitos anos
Tudo desapareceu
Só ele permaneceu
Na sua morada certa
Todo dia se levanta
Bate suas asas e canta
Olhando a casa deserta

Aquele alpendre da frente
Já com um lado caído
Foi ali antigamente
O lugar mais divertido
Enfeitado de papel
Brincadeira de anel
Conto de estória e leilão
Resta na parede a giz
Marca de data feliz
Pra dar mais recordação

Naquela sala pequena
Ainda existe um relatório
De ladainha e novena
Dentro de um velho oratório
Era ali que havia ensaio
Dos terços do mês de maio
Com muita alegria e festa
Um manchado escapulário
Com pedaços de rosário
É a lembrança que resta

No terreiro da cozinha
Ainda existe o batente
Onde toda tardezinha
Se contemplava o poente
O fogão velho arriado
Ainda todo manchado
Do leite que cozinhava
E para dar mais tristeza
Velhos pedaços da mesa
Que se comia e rezava

De longe se escuta o barulho
De grilo, morcego e rato
No chão, ruma de vasculho
Que o vento tangeu do mato
Caco de telha no chão
Cada parede um rachão
E a porta escancarada
Quem a conheceu não resiste
Vendo hoje o quadro triste
Desta casa abandonada

O silêncio ..pode ser sua "melhor resposta"...??


É de silêncio
o nome que te chamo
meu amor sem nome
conhecido
dum silêncio que grita
em meu ouvido
 ânsia dor
com que te amo!
É de sede o beijo
que te ofereço
desta imensa sede
que é tortura
esta falta de água
esta amargura
pela falta dessa boca
que reclamo!
É de fome o abraço
que te peço
da fome de quem vem
doutras paragens
dessa de quem fez
tantas viagens
é de fome o abraço
que te peço!
É de sonho a vida
que procuro
do sonho de quem busca
e ousa e quer
do sonho que é mais sonho
na Mulher
é de sonho a vida
que procuro!
É de silêncio a força
com que te amo
esta força trovão
à flor da pele
esta força que cresce
e que me impele
e é de silêncio o nome
que te chamo!...
A poesia como arte



Caminhava entre sombras de árvores, quando pareceu a ela ouvir nitidamente: - é hora de poesia.
Tentou compreender o recado e anotou: poesia é diferente de poema.
Depois, espiando respingos de chuva na vidraça, pensou: o poema nasce do desejo pelo belo; a poesia nasce da compreensão que se tem do belo. E ainda anotou: - o poema é uma obra em verso, nasce de um estado de admiração. Tem enredo. Poesia é arte de escrever em verso. Nasce da poeira, símbolo da força criadora. Desperta o belo que dorme em cada criatura.
Deixou cair sobre a folha o pensamento e foi viver primeiro.
De volta ao seu lugar de estar, sentiu que um vento preguiçoso espalhava as folhas soltas sobre a mesa. Ousou pensar: a poesia tem seu momento, assim como a vida. A morte, no entanto, passeia como este vento para Re-significar o que já existia antes - a própria vida. 
Perguntou-se, então, a pensadora que vigiava o vento que atravessa a espessura do império dos significados: o que vale mais, a vida ou a morte?

Anotou para não esquecer: a poesia.

O Piano

O Piano
Nalu Nogueira

Decifra-me
Se me queres,
Tenta-me.
Há portas que estão
Apenas aparentemente
Fechadas. Abre-as.
Uma delas dá acesso a
Uma sala e dentro dela
Há um piano. Entra.
E toca-me.
Se teus Dedos produzirem
Música, terás.
Me aprendido.



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

ave,  esperança
foi só falar em amor
as onze horas desabrocharam
em flores!
fatima fonseca

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

alguma coisa  arde sem amor e me deixa entregue ao sol desemparada entre coisas amarelas condenadas envidraçadas.
só para olhar!
fátima fonseca
ler e escrever
escrever e ler são minhas janelas de respostas, meu alvará de soltura.
fátima fonseca
eu li em algum lugar que quando for chingar alguém é melhor dizer: vá se apaixonar!
não tem nenhuma graça
claro! se é trágico.
fátima fonseca
"Entre todas as coisas quietas eu era a mais infeliz"
E ela seguia seu caminho reto sem curvas sem desvios
por isso as pessoas eram cheias de dedos para falar com ela.
fátima fonseca
Sou apenas uma menina
menina vestida de chita
sei que é noite
o luar penetra pelas gretas do telhado
e eu sonho com uma cidade grande.
fátima fonseca

segunda-feira, 10 de agosto de 2015


E eu, de novo, tentando fazer em versos
os pedaços dispersos
que apreendo de quem é você,
cuja beleza,
poesia viva,
quero tornar letra, subjetiva,
mas a arapuca da palavra, sem escolha,
sabota meu projeto
tão logo toco a tinta na folha
e tudo que era você por completo,
e me dominava ainda agorinha,
acaba emoção de esteta,
e mais,
enquanto o texto por si, caminha,
nada perto do que era antes,
eu, apaixonado pelos termos,
melodia das vogais,
pelo ritmo das consoantes,
mergulho no inebriante precipício que só vemos
no exercício da criação da arte.

E esse novo fracasso,
o presente poema que faço
e as delícias de compô-lo,
muito mais que consolo,
proporciona o mesmo nível epifânico de deleite
que tenho ao ver seu rosto, corpo inteiro,
ouvir o canto, sentir seu cheiro.

Nem espero que entenda, tampouco que aceite,
mas saiba que ainda mais lhe devo
na contabilidade dos prazeres que me desperta!
Agora, além de sua realidade concreta,
o gozo de contemplar seu relevo,
soma-se a transcendência a que me elevo,
quando aqui me faço poeta!

*    *    *
Adriano Dias

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

utopia só na poesia

Fátima Fonseca
utopia só na poesia

ela percorria caminhos sinuosos
deitados nas sombras da memória

fantasiava seus sonhos e não sabia

da ponta do lápis de bochechas rosadas
apareceu o palhaço distraído.
era a vontade ingenua de ser feliz
mas o que aprendeu na travessia
foi a complexidade de um deserto

a vida chama-se agora

ela afastou daquela margem
queimando lembranças
virando páginas
fechando gavetas
acordando palavras

submergindo na  poesia.

sábado, 18 de julho de 2015

O mundo que me cabe

Ita Portugal

Eu carrego o mundo onde não cabe nos meus sonhos. Carrego as doçuras, mas também as indecisões. Carrego alegrias que se misturam com as dores. E é disso que minha vida é feita, de tudo e mais um pouco e eu me esbaldo nestas coisas e fico tecendo uma colcha que me defina.
Tenho uma alma criança e vou continuar assim. Gosto de abraços apertados, sentir a alegria por completo, inventar o mundo, reinventar amores, misturar os sonhos em realidade.
Gosto de tudo ao meu modo e assim reinvento e costuro todos os meus pensamentos. O simples me fascina, o difícil me aborrece. Para mim o mundo é enorme e não entendo como as coisas envelhecem e o planeta gira e o amor daqui é igual em todo lugar. Bom, entender eu até entendo, mas algumas coisas eu acho complicadas demais, por exemplo: como pode o mar ser tão grande, o mundo ser colorido e o sol aparecer justamente quando a lua vai embora?
Quem inventou a saudade? Como se faz para tocar a alma? Tem coisas que para mim precisam ter explicações, mas também se não tiverem vou continuar tentando entender. Tenho um coração maior do que eu, maior que meus sonhos. Parece que ele mesmo nem cabe em mim. Nunca sei a altura de minha risada quando estou feliz nem o tamanho de meus sonhos. E por falar em sonhos, sonhos pra mim é aquilo que vou realizar quando eu rabiscar meus desejos no papel e eles saírem correndo direto para meu coração. E olha que tenho muitos sonhos que rabisco, leio, releio, prego na parede para eu olhar todos os dias e lembrar que ali estão os meus desejos mais secretos.
Ita Portugal

terça-feira, 14 de julho de 2015

Anseio
Adalgisa Nery
Quero que desça sobre mim a grande sombra que alivia,
Aquela que arranca do meu coração a revolta que me impede de ser mansa.
Quero descansar...
Quero encontrar aquele que é mais belo que o sol,
Que aumenta o meu sofrimento e que ajuda na minha redenção,
Que reparte suas angústias comigo para que lhe sirva de auxílio.
Quero ouvir a sua voz que é como a música dos mares,
Quero acolher-me na sua sombra e abraçar-me aos seus joelhos...
Quero descansar sem demora...
Quero chegar o tempo da minha última lágrima
ser recolhida dos meus olhos pisados e saudosos
Por aquele que é o molde dos poetas, o que se veste com as estrelas que meus olhos
ainda não vêem. 

Poesia-me

De braço quebrado, recebendo os amigos consumidores e escreventes/poesia.