sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Emílio Moura



Súplica

Os inquietos, os loucos, os que ainda não Te descobriram, e os que nada compreendem,
os que pararam, e os que jamais tentaram a grande jornada,
todos eles. Senhor, estão comigo neste momento.

Comigo estão todos os que perderam a grande partida.
Comigo estão, Senhor, todos os que Te deixaram,
e os que não souberam buscar-Te.
Comigo estão os que não Te amam, nem Te compreendem,
os que Te negam, porque são felizes,
e os que te negam, porque são infelizes.
Senhor, todos eles estão, agora, em minha insônia e em minha desolação, como a presença
[da morte está na máscara dos que nada esperam.
Mata-os em mim, Senhor.


In:"Itinerário Poético"

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Affonso Romano de Sant'anna



Desde que conheci você 
sinto como se estivesse andando
com pequenas asas nos meus
sapatos
como se meu estômago estivesse
cheio de borboletas

Guimarães Rosa



Na almofada branca,
as sandálias sonham
com a seda dos teus pés...

Partiste..
Mas a alegria ainda ficou no quarto,
talvez no ninho morno, calcado por teu corpo
no leito desfeito...

Entardece...
Esfuziante e verde,
um beija-flor entrou pela janela,
(pensei que a tua boca ainda estivesse aqui...)

Do frasco aberto,
vestidas de vespas,
voam violetas...

E na almofada de seda,
beijo as sandálias brancas.
vazias dos teus pés.



João Guimarães Rosa




"Todo caminho da gente é resvaloso. Mas também, cair não prejudica demais.A gente levanta, a gente sobe, a gente volta!... O correr da vida embrulha tudo.A vida é assim: Esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, Sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Ser capaz de ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza..."


Grande Sertão Veredas

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Coisas de louco



Fátima Fonseca

Dizem que os loucos
tem o hábito de falarem sozinhos
e que também falam sozinhos
aqueles que escrevem.

Eu escrevo pouco,
porém, com a mesma necessidade
que puxo o ar para os meus pulmões
e se me tirassem o direito de escrever
certamente eu seria
louca elevada ao infinito.

Guimarães Rosa




Eu ia triste, com a tristeza discreta dos fatigados,
com a tristeza torpe dos que partiram tendo despedidas,
tão preso aos lugares
de onde o trem já me afastara estradas arrastadas,
que talvez eu não estivesse todo inteiro presente
no horror dessa viagem.
Mas a minha tristeza pesava mais do que todos os pesos,
e era por causa de mim, da minha fadiga desolada,
que a locomotiva, lá adiante, ridícula e honesta, bracejava,
puxando com esforço vagões quase vazios,
com almas cheias de distância, a penetrar no longe.
A tarde subiu do chão para a paisagem sem casas,
e o comboio seguia,
cada vez mais longe, mais fundo, a terra mais vermelha,
o esforço maior, as montanhas mais duras,
como sabem ser duros os caminhos,
pelos quais a gente vai, só pensando na volta...
Coagulada em preto,
a noite isolou as cousas dentro da tarde,
e o barulho do trem foi um rumor de soçobro
no fundo de um mar sem tona.
Nem mesmo foi a noite: foi a ausência
brusca e absurda do dia.
Tão definitiva e estranha, que eu me alegrei, esperando
o não continuar da vida,
o não-regresso da luz, o não-andar-mais-de-trem...


Emílio Moura



Canção


Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.

Que tudo o mais é perdido.

Fernando Pessoa



Esta Espécie de Loucura

Esta espécie de loucura 
Que é pouco chamar talento 
E que brilha em mim, na escura 
Confusão do pensamento, 

Não me traz felicidade; 
Porque, enfim, sempre haverá 
Sol ou sombra na cidade. 
Mas em mim não sei o que há 
in "Cancioneiro"

terça-feira, 28 de agosto de 2012

PESSOAS SÃO MÚSICAS



Você já percebeu?

Elas entram na vida da gente e deixam sinais.
Como a sonoridade do vento ao final da tarde.
Como os ataques de guitarras e metais
presentes em cada clarão da manhã.
Olhe a pessoa que está ao seu lado
e você vai descobrir, olhando fundo,
que há uma melodia brilhando no disco do olhar.
Procure escutar.
Pessoas foram compostas para serem ouvidas,
sentidas, compreendidas, interpretadas.
Para tocarem nossas vidas
com a mesma força do instante
em que foram criadas,
para tocarem suas próprias vidas
com essa magia de serem músicas.
E de poderem alçar todos os vôos,
de poderem vibrar com todas as notas,
de poderem cumprir, afinal,
todos os sentidos que a elas
foi dado pelo Compositor.
Pessoas são como você,
com quem temos o prazer de conviver.
Pessoas são músicas,
como você que temos o prazer de ouvir.
Pessoas tem que fazer o sucesso
que lhes desejamos.
Mesmo que não estejam nas paradas.
Mesmo que não toquem no rádio,
APENAS NO CORAÇÃO.

(Desconheço a autoria desse texto)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Mário Quintana



Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

sábado, 25 de agosto de 2012

Olavo Bilac



Remorso
  
Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Casimiro de Abreu



Na minha terra, no bulir do mato,
A juriti suspira;
E como o arrulho dos gentis amores,
São os meus cantos de secretas dores
No chorar da lira.

De tarde a pomba vem gemer sentida
À beira do caminho;
- Talvez perdida na floresta ingente
A triste geme nessa voz plangente
Saudades do seu ninho.

Sou como a pomba, e como as vozes dela
É triste o meu cantar;
- Flor dos trópicos - cá na Europa fria
Eu definho, chorando noite e dia
Saudades do meu lar.

A juriti suspira sobre as folhas secas
Seu canto de saudade;
Hino de angústia, férvido lamento,
Um poema de amor e sentimento,
Um grito de orfandade!

Depois... o caçador chega cantando,
À pomba faz o tiro...
A bala acerta, e ela cai de bruços,
E a voz lhe morre nos gentis soluços,
No final suspiro.

E como o caçador, a morte em breve
Levar-me-á consigo;
E descuidado, no sorrir da vida,
Irei sozinho, a voz desfalecida,
Dormir no meu jazigo.

E - morta a pomba nunca mais suspira
À beira do caminho; -
E, como a juriti, longe dos lares,
Nunca mais chorarei nos meus cantares
Saudades do meu ninho!

(Escrito em Portugal, onde o poeta permaneceu 4 anos)
  

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Vinícius de Moares



Amo andar pelas tardes sem som, brandas, maravilhosas
Com riscos de andorinhas pelo céu.
Amo ir solitário pelos caminhos
Olhando a tarde parada no tempo
Parada no céu como um pássaro em vôo
E que vem de asas largas se abatendo.
Amo desvendar a vaga penumbra que desce
Amo sentir o ar sem movimento, a luz sem vida
Tudo interiorizado, tudo paralisado na oração calma...
Amo andar nessas tardes...
Sinto-me penetrando o sereno vazio de tudo
Como um raio de luz.
Cresço, projeto-me ao infinito, agitando
Para consolar as árvores angustiadas
E acalmar os pinheiros moribundos.
Desço aos vales como uma sombra de montanha
Buscando poesia nos rios parados.
Sou como o bom-pastor da natureza
Que recolhe a alma do seu rebanho
No agasalho da sua alma...E amo voltar
Quando tudo não é mais que uma saudade
Do momento suspenso que foi...
Amo voltar quando a noite palpita
Nas primeiras estrelas claras...
Amo vir com a aragem que começa a descer das montanhas
Trazendo cheiros agrestes de selva...
E pelos caminhos já percorridos,voltando com a noite
Amo sonhar...

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Cecília Meireles



Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos seRetrato
m força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Roseana Murray



Por favor,
reservem dois lugares num disco voador,
um pra mim, outro pro meu amor
que eu tenho sede de céu
tenho fome de estrelas
e uma vontade louca de mastigar violetas.

Prefiro partir nas primeiras horas do dia
quando as nuvens ainda são suave carícia.
Levarei comigo uma bagagem tão pequena
que ninguém nem mesmo notará:
uma bússola feita de vento
e um embrulho de sonhos mais leve que a luz.

Quero encontrar um planeta
onde os homens tenham as mãos de tal modo azuis
que ninguém saiba direito
se são mesmo homens ou se são anjos ou pássaros.

Minha nave descerá suavemente num campo de girassóis
e os homens acenarão sorrindo sem medo nenhum.
Quando vejo numa noite escura
alguma estrela solitária semeando o céu,
sinto pressa de partir.



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

–Chico Buarque



Pensamentos

Mas duas pessoas não se equilibram muito tempo lado a lado, 
cada qual com seu silêncio; um dos silêncios acaba sugando o outro, 
e foi quando me voltei para ela, que de mim não se apercebia. 
Segui observando seu silêncio, decerto mais profundo que o meu, 
e de algum modo mais silencioso. 
E assim permanecemos outra meia hora, 
ela dentro de si e eu imerso no silêncio dela,
 tentando ler seus pensamentos depressa,
 antes que virassem palavras.



domingo, 19 de agosto de 2012

Adélia Prado



Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.

sábado, 18 de agosto de 2012

Fernando Pessoa



O vento sopra lá fora.
Faz-me mais sozinho, e agora
Porque não choro, ele chora.
É um som abstracto e fundo.
Vem do fim vago do mundo.
Seu sentido é ser profundo.

Diz-me que nada há em tudo.
Que a virtude não é escudo
E que o melhor é ser mudo.


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Adalgisa Nery


Vivência
Começamos a viver
Quando saímos do sono da existência,
Quando as distâncias se alongam nas partículas do corpo.
Começamos a viver
Quando confusos e sem consolo
Não sentimos os traços do irmão perdido.
Quando antes da força
Surge a sombra do insignificante.
Quando o sono é transformado em sonhos superados,
Quando o existir não é contradição.
Começamos a viver
Quando percebemos a mutação das células,
Quando fugimos de dentro de nós mesmos
E escondemos a nossa carne num caramujo oco.
Quando o espírito falsificado esquece
As tortuosas estradas
E quando deixamos de ser escaravelhos laboriosos.
Começamos a viver
Quando velamos além do sono
A vida irreal dos nossos passos.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Affonso Romano de Sant'Anna



O Duplo

Debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
-que me alimenta a tristeza…

Debaixo de minha cama
tem sempre um fantasma vivo
-que perturba quem me ama.

Debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
- pensando que sou ele.

Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Guimarães Rosa

Augusto dos Anjos



A esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa, 
Também como ela não sucumbe a Crença. 
Vão-se sonhos nas asas da Descrença, 
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa; 
No entanto o mundo é uma ilusão completa, 
E não é a Esperança por sentença 
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito, 
Sirva-te a crença de fanal bendito, 
Salve-te a glória no futuro - avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento, 
Também espero o fim do meu tormento, 
Na voz da morte a me bradar: descansa!

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Abgar Renault



Branca noite de luar 

Mal o dia se esgueira e foge entre as árvores do crepúsculo, 
insinuam-se os seus finais entre as dúvidas do nascer da noite. 
Pára o rio e sua viagem. Cessam as águas a sua voz. 
Cantos de pássaros interrompem-se e tombam nos ouvidos da solidão. 
Póstumos bois adormecem no relvado as suas sombras, 
e um gesto final do ocaso conduz a ovelha derradeira. 
Entre os rebanhos recolhidos recolheu-se a tarde 
e, enquanto as distâncias se estiram brancamente, 
lúcido vinho vai a terra embebedando: 
o chão é claro sonho e firmamento. 
Verte o céu a sua azul antiguidade 
sobre as formas, as ausências e os corações dos homens, 
e a lua vai abrindo em leve solo nas alturas 
imaginativas ruas de silêncio, de outrora, 
de alva tristeza e amoroso pensamento. 



segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Adélia Prado



Na terra como no céu

Nesta hora da tarde
quando a casa repousa
a obra de minhas mãos
é esta cozinha limpa.

...Tão fácil
um dia depois do outro
e logo estaremos juntos
nas "colinas eternas".

Recupera meu corpo
um modo de bondade
a que me torna capaz
de produzir um verso.

Compreendes-me, Altíssimo?
Ele não responde.
dorme também a sesta.

domingo, 12 de agosto de 2012

Otto Lara Rezende



Ver vendo
De tanto ver, a gente banaliza o olhar
-vê... não vendo.
Experimente ver, pela primeira vez,
o que você vê todo dia, sem ver.
Parece fácil, mas não é:
o que nos cerca, o que nos é familiar,
já não desperta curiosidade.
O campo visual da nossa retina
é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta.
Se alguém lhe perguntar o que você vê no caminho,
você não sabe.
De tanto ver, você banaliza o olhar.
Sei de um profissional que passou 32 anos a fio
pelo mesmo hall do prédio do seu escritório.
Lá estava sempre, pontualíssimo, o porteiro.
Dava-lhe bom-dia e, ás vezes,
lhe passava um recado ou uma correspondência.
Um dia o porteiro faleceu. Como era ele?
Seu rosto? Sua voz? Como se vestia?
Não fazia a mínima idéia.
Em 32 anos nunca conseguiu vê-lo.
Para ser notado, o porteiro teve que morrer.
Se um dia, em algum lugar estivesse uma girafa
cumprindo o rito, pode ser, também,
que ninguém desse por sua ausência.
O hábito suja os olhos e baixa a voltagem.
Mas há sempre o que ver:
gente, coisas, bichos. E vemos?
Não, não vemos.
Uma criança vê que o adulto não vê.
Tem olhos atentos e limpos
para o espetáculo do mundo.
O poeta é capaz de ver pela primeira vez,
o que de tão visto, ninguém vê.
Há pai que raramente vê o filho.
Marido que nunca viu a própria mulher.
Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos...
é por aí que se instala no coração
o monstro da indiferença.

sábado, 11 de agosto de 2012

Carlos Drummond de Andrade



O amor é grande 
e cabe nesta janela sobre o mar. 
O mar é grande 
e cabe na cama e no colchão de amar. 
O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012




Ainda te Necessito

"Ainda não estou preparado para perder-te
Não estou preparado para que me deixes só.

Ainda não estou preparado pra crescer
e aceitar que é natural,
para reconhecer que tudo
tem um princípio e tem um final.

Ainda não estou preparado para não te ter
e apenas te recordar
Ainda não estou preparado para não poder te olhar
ou não poder te falar.

Não estou preparado para que não me abraces
e para não poder te abraçar.

Ainda te necessito.

E ainda não estou preparado para caminhar
por este mundo perguntando-me: Por quê?

Não estou preparado hoje nem nunca o estarei.

Ainda te Necessito."
Pablo Neruda

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Lya Luft



Meu reino é o do silêncio, mais
do que o das palavras. Nele tudo pode ser dito
e desinventado: as entrelinhas
transbordam dos meus contornos.
Minha alma, guerreira ou mendiga,
inocente menina ou bruxa perversa,
faz dessa teia de caos e luz uma viagem
como sempre um novo ponto de partida.

E desenrola infinitamente o teu nome,
que é todos os nomes, e não é miragem:
Vidaminhavidaminhavidaminha…


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Mario Quintana



Brotam brotinhos na tarde feita
  Só de suspiros:
  O amor é um vírus...
  Apenas o general de bronze continua de bronze!
  O vento desrespeita todos os sinais do tráfego.
  Velhinhos de gravata borboleta
  Sobem e descem como autogiros.
  O guarda de trânsito virou catavento.
  As mulheres são de todas as cores como esses
  manequins expostos nas vitrinas,
  E onde é que estão, me conta, as tuas esperanças
  mortas?!
  Lá vão elas ^Ö tão lindas ^Ö vestidas de verde
  Como Ofélias levadas pelos rios em fora
  Enquanto eu nem me atrevo a olhar para o alto:
  repara se não é
  O Espírito Santo que vem descendo em lento vôo
  E até ele, até Ele, deve estar assim, ^Ö todo irisado
  Como os olhos das crianças, como as maravilhosas
  bolinhas-de-gude!

Mario Quintana



OS DEGRAUS
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Cecília Meireles



Canção Mínima

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta


Da Vinci


"A simplicidade é o último grau de sofisticação"

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Clarice Lispector



Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.


sábado, 4 de agosto de 2012

Clarice Lispector



No sábado é que as formigas subiam pela pedra.

Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho.

De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana.

Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é?

No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde.

Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais.

Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.

Domingo de manhã também é a rosa da semana.

Não é propriamente rosa que eu quero dizer.

Clarice Lispector




Se eu Fosse Eu 
Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como?não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.

(Texto extraído do livro A Descoberta do Mundo, Clarice Lispector, editora Rocco, pg. 156).

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Mário Quintana



Dos Milagres
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
Mario Quintana

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Manoel de Barros








Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.