quinta-feira, 22 de março de 2018

encontro com o poeta

                                     


                                                   Fátima Fonseca

perdida entre raios e trovões
guiada pelos desejos
salva pelos pés descalços
fincados no chão
para onde foram as ideias atrevidas
o olhar  cigano
que não florescem mais poesia em você?

o silencio transborda sem resposta
sob esse barco ancorado
que hoje sou
ilusões desfazendo... morrendo...
a vida passando
eu abismada com a indiferença

choramingo com as palavras
as palavras choramingam comigo
Capitu se foi
virou adubo
desse anoitecer

versei o avesso para Machado de Assis.

terça-feira, 20 de março de 2018

A voz do coqueiral




O coqueiral tem seu idioma
não o de lâmina, é voz redonda:

é em curvas sua reza longa,
decerto aprendida das ondas,

cujo sotaque é o da sua fala,
côncava, curva, abaulada:

dicção do mar com que convive
na vida alísea do Recife.

João Cabral de Melo Neto
Poesia Completa 1940-1980

segunda-feira, 19 de março de 2018

                                           Christian Gurtner
Quem sou eu além daquele que fui?
Perdido entre florestas e sombras de ilusão
Guiado por pequenos passos invisíveis de amor
Jogado aos chutes pelo ódio do opressor
Salvo pelas mãos delicadas de anjos
Reerguido, mais forte, redimido,
Anjos salvei
Por justiça lutei
E o amor novamente busquei

Quem sou além daquele que quero ser?
Puro, sábio e de espírito em paz
Justo, mesmo que por um instante,
Forte, mesmo sem músculos,
E corajoso o suficiente para dizer “tenho medo”

Mas quem sou eu além daquele que aqui está?
Sou vários, menos este.
O que aqui estava, jamais está
E jamais estará
Sou eu o que fui e cada vez mais o que quero ser
Mudo, caio, ergo, sumo, apareço, bato, apanho, odeio, amo…
Mas no momento seguinte será diferente
Posso estar no caminho da perfeição
Cheio de imperfeições
Sou o que você vê…
Ou o que quero mostrar.
Mas se olhar por mais de um segundo,
Verá vários “eus”,
Eu o que fui, eu o que sou e eu o que serei.

segunda-feira, 12 de março de 2018

Para que as luzes do outro sejam percebidas por mim devo por bem apagar as minhas, no sentido de me tornar disponível para o outro.
                                           Mia Couto

quinta-feira, 8 de março de 2018

O abacateiro

                                             


                                  Fátima Fonseca



parecia uma nevasca
o abacateiro estava todo florido
minha mãe  percebeu meu olhar de encantamento
e exclamou:
é em vão essa floração
o abacateiro é macho

fotografei-o

enviei as poesias acorrentadas
para os amigos com um apelo:
precisam-se de fêmeas belicosas
para  libertar esses versos verdes
que gemem cativos
querendo frutificar eternidade da especie.