quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Natal de inverno

                              
                                      Maria  Apparecida  de  Mattos

Pela  octogésima  terceira  vez
pego  a  trilha  do  presépio.
Saudade  dos  tempos
em  que  levei  para  o  Menino
o  coração  recheado
de  chocolate  e  açúcar-cande,
granito  bruto  de  crença,
espáduas  indefesas
das  chibatadas  da  vida.

Preciso  de  cajado,
as  pernas  bambeiam
e  os  pulmões  arquejam.
Coração  com  algumas  cicatrizes
costuradas  pela  fé,
granito  esculpido
com  ferramentas  de  dor  e  esperança,
entrega  pura
na  manjedoura  simples,
tão  simples  como  meu  gesto  de  amor
neste  Natal.
A  neve  cobre  meus  cabelos,
mas  o  milagre  do  Espírito
incendeia-me  a  alma.

                 1º/12/2017



              

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Depressione.

                                    Neuza Lima

E o sol invasivo
entra pelas frestas
dos meus vazios
e os acorda das trevas.

Arranca com violência
os trapos negros
que os encobria faz tempo,
naquele velho sótão
chamado corpo.

Seu jato de luz cortante,
lamina afiada brilhante,
à fórceps,
traz luz às minhas prematuras trevas,

Nasce um ser torto,
carente, serpente,
engolidor de gente.

De repente. Serpente.
Arrasto-me sinuosamente subindo e descendo
em busca de saída nos fachos de luz,
que salteiam por todo canto,
até cair abatida e aterrada
em pressão e ausência.

Não há saída.
Estou presa no clarão dos meus vazios.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A LARANJA


                                                     Charles Kiefer

O poema adormecido na laranja,
deitado sobre o mínimo de si,
redondo, amarelo de desejo, afasta
o nada, divide o espaço em gomos,
aprisiona o olhar e a saliva.



          meu processo criativo
          beira a loucura de buscar
          o que só pode ser alcançado
          sem nenhuma lucidez
                                                     Cristina Martim Branco

sábado, 9 de dezembro de 2017

Crença

                                       Carlos Nejar

Ainda serei eterno.
Não sei quando.
Sei que a sombra se alonga
e eu me alongo,
bólide na erva.

Ainda serei eterno.
Tenho ânsias cativas
no caderno. Cortejo
de símbolos, navios
e nunca mais me encerro
no meu fio.

Ainda serei eterno.
O mês finda, o ano,
o recomeço.
E o fraterno em mim
quer campo, monte, algibe.
Mas sou pequeno
para tanto aceno.

Metáforas me prendem
o eterno
que se pretende isento.

Numa dobra me escondo;
Noutra, deito.
Os nomes me percorrem no poente.
Sou sobrevivente
de alguma alta esfera
que saia de si mesma
e é primavera.

O eterno ainda será viável
como o sol, o dia,
o vento;
misturado ao que me entende
e transborda.
Misturado ao permanente
que me sobra.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O DIA INACABADO

                                                                          Ledo Ivo

Como todos os homens, sou inacabado.
Jamais termino de ser.
Após a noite breve um longo amanhecer
me detém no umbral do dia.
Perco o que ganho no sonho e no desejo
quando a mim mesmo me acrescento.
Toda vez que me somo, subtraio-me,
uma porção levada pelo vento.
Incompleto no dia inacabado,
livre de ser ainda como e quando,
sigo a marcha das plantas e das estrelas.
E o que me falta e sobre é o meu contentamento.