quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Saudade

Guimarães Rosa
Saudade de tudo!...
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas,
que eu podia viver e não vivi!...
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfãs e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez até hoje ainda espere por mim...
Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!...
Pressa!...
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!...
Como quem fecha numa gota
o Oceano
afogado no fundo de si mesmo...

sábado, 24 de janeiro de 2015

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa).

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

(ESCRE) VER-ME


Mia Couto

nunca escrevi
sou
apenas um tradutor de silêncios

a vida
tatuou-me os olhos
janelas
em que me transcrevo e apago

sou
um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Visão


Solange Amado

Com efeito,
Quando as letras foram sumindo como bolha
Na folha
Descobri o defeito:
Meu braço era curto.
Que susto!
Uns óculos?
Uma prótese?
Sutilezas
Mas até hoje,
Sinto saudades dela:
A visão
Das miudezas.


O Hipopótamo


Solange Amado


O hipopótamo que eu amo
É azul e voa.
Mas também é cheio de nuances
De dor
Depende do humor.
Meu hipopótamo varia como o tempo
Só não chove.






Abraçar


Solange Amado

O abraçar é redondo.
Disso não tenho dúvida.
E macio.
Como um cicio.
Tirante se eu abraço um cactus.
Aí doi.
Mas abraçar um amor que parte não doi?
Então, querido,
O abraçar é redondo, macio
E dolorido.


Insonia


Solange Amado

Primeiro fui à geladeira
Não adiantou
Abri um livro,
Tentei um som,
Que o vento levou
Então,
De mansinho
Contei carneirinho
Mas só tinha ovelha
Negra como a noite fria
Então percebi.
Faltava você
Meu cobertor de orelha.


Se eu fosse Deus

Solange Amado
SE  EU  FOSSE  DEUS

Ah! Se eu fosse Deus
Nada de culpa ou responsabilidade.
No sétimo dia,
De brincadeira,
Botava um cartaz no céu:
“Fui tomar um cafezinho”
E deixava o paletó na cadeira.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

São Francisco


Solange Amado
São Francisco
Ah! A solidão das quedas do rio
Pirapora pororoca
Isca que fisga
Minha saudade.
Vapor que apita
E grita
A solidão
que chega mansinha
Nas águas que secam
E somem
E morrem
De inanição. (S0L)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

MELHOR SOLIDÃO

Milton José Neves Júnior
Que adianta um amor correspondido
Por outro que se revela tão ausente?
Do tipo de amor que nem pressente
O que segue em si mesmo omitido.
Por não se entregar completamente,
Do verdadeiro amor torna-se bandido.
São as horas dedicadas ao combalido
Que deixam o universo seu pendente.
Na solidão a dois morre a esperança.
O amor é fóssil... Simples lembrança
Dos raros momentos de comunhão.
E quem tem fé no prazer da própria vida
Volve à solidão, para não ver perdida
Aquela grande chance do coração.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Vinicius de Moraes
Como dizia o poeta
Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não.