terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Ano novo

 O ano é repetitivo.

Mas eu preciso dizer que ele é novo.

E vou me alinhavando nas miudezas milagrosas
que tanto alimentam meus eus líricos de para quês.
Fingir tornou-se um hábito. Logo, sou infinita inteira.
Um ano de novo em mim.
Que me faz sonhar na vida que escorre
e perder a noção de uma certeza absurda
que mora dentro de mim.
É preciso partir.
É preciso chegar.
Embrulhado de esperança.
E eu aqui a escrever
Porque palavra me recicla
neste ir e vir constante.

Adeus 2020
Feliz Ano Novo!
Fátima Fonseca

sábado, 19 de dezembro de 2020

Eu sou o que como

 Fiquei observando aquela lagarta verde na folha verde. Ela tem a cor de seu alimento. Pensei comigo.

E nos humanos? Que alimentamos de notícias catastróficas, medo...

Que cor temos?

Fátima Fonseca

domingo, 8 de novembro de 2020

Escrevo!

 Escrevo! 

Sim. Escrevo, 

porque é de alívio a forma 

que encontrei deixar partir 

o que não me cabe 

o que transborda em mim. 

Escrevo com a mesma necessidade 

e direito que um asno tem de relinchar, 

um cão rosnar, 

uma baleia bufar, 

um lobo uivar... 

poesia, poema, prosa, rabisco? 

Tem rima, melodia, estetica? 

Não sei. Soezes. 

Para abespinhar ou deleitar. 

Não importa. 

Escrevo!   

                     Fátima Fonseca


segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Primavera

 Uma florzinha com cheiro de onze horas entra em mim para dizer que posso comer com os olhos.

É primavera!

                              Fátima Fonseca


domingo, 13 de setembro de 2020

Quem sou eu?

 esses pássaros 

inquietos entre folhas 

que cessam seu canto 

medrosos com minha aproximação 

me refletem 

me questionam  

quem sou eu?

 verbos trincados, inacabados

imperfeiçao.

Vacina

 Longa espera...

Ah, se eu pudesse tirar pontos dessas reticências!

 2020 repetitivo

mês devagarim

semana devagarim

dia devagarim

todo dia uma dor de mim.

Há um escrever de liberdade

florir por paixão

de enlouquecer por querer

vestir a alma de ilusão.

                         Fátima Fonseca 

sábado, 16 de maio de 2020

Ave Marias


AVE MARIAS

Gláucia Maria Vasconcellos Vale*

Ave Maria de Jesus
paga as suas penas
carregando sua cruz
Ave Maria Quitandeira
carrega seu fardo
em vasilhas de latão
Ave Maria Cozinheira
defumada devagar
na beirada de um fogão
Ave Maria dos Anjos
alveja sua alma
de tanto lavar lençóis
Ave Maria Madalena
oferece sua carne
do pregão de cada esquina
Ave Maria Celeste
espreita do chão
os mistérios do céu
Ave Maria das Quimeras
guarda no ventre
a esperança na terra
Ave Marias guerreiras
renascem todas as manhã
Ave virgem Maria
Ave mãe Maria
Ave filha Maria
Ave as filhas da mãe, Marias
Marias do sem mais nada
Marias de sem ninguém
Marias de muitas graças
cantadas pelo poeta
Marias que tantas são
credos raças cores praças
muita luta muito luto
Ave todas as Marias
e essa estranha mania
de povoar a terra
com tantas filhas de Maria
Ave meu pai João
devoto de Ave Maria
que batizou suas filhas
com o nome de Maria
para lhes dar proteção.

*poema de Gláucia Maria Vasconcellos Vale,
extraído do livro Cantos da Terra, Ramalhete, 2018. (compre aqui)

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Desperto taciturno para o resto do dia
e por detrás de uma nuvem
o olho de Deus mantém o silêncio.
.
Sou a sombra de todos os rostos,
dependente de um tempo exato,
mestre em horas de miséria
ou desempregado frente a paragens de transportes.
Trago comigo uma dor de pedra entre as mãos.
.
Afastado de toda a caridade
renuncio a ser apóstolo de uma fé em mim mesmo.
Oficio aqui os silêncios da página.
.
Sou herói e peão do instante e da surpresa.
Aqui aguardo as súplicas do acaso
e uma sensação de sede como agulha entre as palavras.
.
Hoje não tenho necessidade de fingir
que prefiro a vida qu'em mim tropeça.
.
.
Mijail Lamas in "Cuaderno de Tyler Durden". Buenos Aires: El Suri Porfiado Ediciones, 2014, p 12 (Tradução de Victor Oliveira Mateus)

quarta-feira, 4 de março de 2020

DESFILE DE FEBEAPÁ

                                                                              Sebastião Aimone Braga
O samba corria solto na Escola de Samba Febeapá, que mais uma vez homenageava seu criador, Stanislaw Ponte Preta. É que o país não toma jeito e o Festival de Besteiras que Assolam o País continua e, dia a dia, acordamos assustados com notícias de Jesus Cristo aparecendo na goiabeira (prefiro na Mangueira), cristãos pegando em armas em nome da paz, meninos e meninas a usar azul e rosa respectivamente, Ministro da Educação errando feio até na ortografia, milicianos protegidos na Justiça...
Este ano, alas e alegorias fazem homenagem à importância da acentuação no uso da nossa língua. Pra começar, falavam que os cágados são os que mais sofrem. Realmente, cria-se algum constrangimento, mas os doídos também sofrem quando chamados de doidos, a dor aumenta. Parece propício à política atual quando, nas igrejas, esquecem o acento na frase: Deus gostaria que nos amássemos. Vira argumento pra arminha na mão, inclusive com crianças no colo, e saiam do meu caminho índios, negros, pobres, ecologistas, desafetos, mulheres, gays e qualquer pedra no caminho. Tudo em nome do combate à corrupção. E o povo, já pergunta com maldade: onde está a honestidade? Onde está a honestidade?!...
A ala das sábias já cantava a pedra há tempos, conhecendo rebeldia em quartéis, mente confusa, grosserias, preguiça de 30 anos no Congresso, desmandos e prepotência familiar na corte do Rio de Janeiro, terra de tanto samba. Ela já sabia de evidências, que se tornaram verdades. Junto a ela, as sabiás cantavam um país de palmeiras e povo cordial, misturando realidades com berço esplêndido. Insistiam no lirismo, tentando abafar o brado retumbante de um povo nada heróico, mais acostumado com o autoritarismo herdado e cultivado nas casas grandes e senzalas. Mas as sabiás têm lá sua importância: em Tons e Chicos, viniciamente, insistem em cantar o refrão: Vou voltar, sei que ainda vou voltar.
A Escola tem ainda nas suas evoluções um bloco destinado aos messias. Sim, o povo sempre espera de braços cruzados um messias, que venha fazer o que ele não faz como cidadão. Ser educado custa, dar bom dia só quando está de bom humor ou interessado, respeitar a faixa de pedestre quando estou nela e, cheio de razão, criticar as roubalheiras porque não estou nessa boquinha. Ou acreditar num mito de boca suja, porque não gosto de frescuras e leituras. Cada um no seu lugar, desde que não me incomode e deixe minha escola de samba passar.
Vai passar. Mesmo que o samba não tenha nada de popular. Os Estados Unidos e os que pensam que nele estão incluídos. Os banqueiros no alto dos carros alegóricos, chicote nas mãos sedentas de lucro e petróleo. Riquezas roubadas e doadas.
Um sucesso a Escola e continuamos assistindo, no conforto aparente da sala, as evoluções das besteiras que continuam assolando o país. PT saudações!


 03.março.2020

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

leio poesia para partir
outras vezes para regressar
e
antes que os trilhos do verbo rompam
corro e escrevo
                                Fátima Fonseca

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Estou atrás
do despojamento mais inteiro
da simplicidade mais erma
da palavra mais recém-nascida
do inteiro mais despojado
do ermo mais simples
do nascimento a mais da palavra.
Ana Cristina Cesar