domingo, 26 de outubro de 2014

Clarice Lispector
Sou composta por urgências:
minhas alegrias são intensas;
minhas tristezas, absolutas.
Entupo-me de ausências,
Esvazio-me de excessos.
Eu não caibo no estreito,
eu só vivo nos extremos.

Pouco não me serve,
médio não me satisfaz,
metades nunca foram meu forte!

Todos os grandes e pequenos momentos,
feitos com amor e com carinho,
são pra mim recordações eternas.
Palavras até me conquistam temporariamente...
Mas atitudes me perdem ou me ganham para sempre.

Suponho que me entender
não é uma questão de inteligência
e sim de sentir,
de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Flor Bela Espanca
"Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!"

terça-feira, 21 de outubro de 2014

poesia

Fátima Fonseca
o rio que escorre em mim
me molha como quem beija
encharca meu corpo
garimpa  queixas
faz percursos que desconheço
Ah..., e na lama a céu aberto
se faz poesia.

sábado, 18 de outubro de 2014

reféns do amor

Fátima  Fonseca
Anabela uma borboleta
Carolina um beija-flor
e Maria uma violeta
que recebia com sorriso
a borboleta e o beija-flor
todos eram reféns do amor.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

mini poema

Fátima Fonseca
o céu estrelado
da boca da noite
aguardava os beijos de amor.

Carga viva

Fátima Fonseca

Tenho  padecido de poesia
como carga viva em vagões
no meio da rodovia
empoeirada
crucificada
dolorida
cada vão uma agonia
que amargura!

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Anúncio classificado

Carlos Drummond de Andrade

Procura-se apartamento
pequeno, bem situado,
onde caibam dois amantes
de frente como de lado.

Quer-se bem perto do mar
e bem longe do barulho,
de modo que a única música
ouvida seja a de Bach,

de Corrette, de Bomporti,
com seus preciosos discos
arrumados de tal sorte
que inda caibam uns livros

de poesia, está claro,
e também( toda uma estante)
os tratados de Epicuro,
Descartes, Spinoza, Kant.

A mesa-de cabeceira
deve ficar a seu cômodo
para que nenhuma aresta
machuque o amor na testa.

E a cama, sem ser estreita,
nem larga como avenida,
tenha espaço suficiente
para as doçuras da vida.

Caibam na pequena copa
a bandeja, o biscoitinho,
hoje guardados no armário
dos alvos lençóis de linho,

bem como aquelas garrafas
do escocês nacional
que a gente, faute de mieux,
ingere e não nos faz mal.

Procura-se apartamento
de quarto-e-sala (tão pouco
e tão muito), sem barata,
sem mosquito rezinguento,

sem vizinhos enervantes
que gritem palavras sujas,
sem terríveis, sem constantes
cortes d'água quando as nuas

formas já ensaboadas
se restauravam, cuidando
de logo após se enroscarem
nas formas  do amor, amando.

Quem souber de tal imóvel
não fique imóvel: na asa
do vento me informe onde,
onde é que fica essa casa!

sábado, 11 de outubro de 2014

QUE PENA

Ysolda Cabral
Se não existe saudade
Nada valeu ou vingou
Não é desamor
Não é dissabor
Se não existe saudade
Nada significou
Não é indiferença
Não é maledicência
Se não existe saudade
Não foi amor de verdade
Que pena...

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A descoberta do amor

Maria  Apparecida  de  Mattos 

Aos  15  anos
o  amor  foi  promessa.
Os  tempos  eram  outros
e  o  pecado,
muito  envergonhado.
Garotas  e  garotos  ficavam.
À  moda  antiga,  ficavam.
Ora  faziam  footing 
na  praça  principal,
ora  colhiam,
na  matinê  de  domingo,
o  fruto  dos  olhares  da  praça.

Aos  25  o  amor  foi  confiança.
Sem  cálculo,  sem  pressa,
na  casa  simples
de  uma  rua  de  bairro
construíam-se    castelos,
tendo  o  futuro  como  promissória
e  sonhos  como  fiadores.

Aos  35  o  amor  foi  tudo,
paixão  semicoberta
no  leito  onde,  encoberta,
feitiçaria  conjurava.
Centelhas  dos  desejos  e  dos  ódios
acendiam  tal  poder  que  sufocavam
possível  esconjuro.
Em  cegueira  e  malcoberta
a  garota  dos  15  não  previa
os  tropeços  da  queda  anunciada.

Aos  45  o  amor  foi  quase  nada.
Político  em  desespero,
tentava  boca  de  urna.
Ateu  convicto,
desfilava  contas  do  rosário
como  quem  joga  água
em  peneira  furada.
Eros  falido  em  eros  renascendo
das  cinzas  de  uma  fênix  matreira.

Hoje  o  amor  é  redenção.
Cara  limpa  despida  de  máscara,
redescoberta  de  corpo
redescoberta  de  espírito
aurora  boreal
no  cerne  do  crepúsculo,
a  garota  dos  15
dos  30  e  dos  inconfessáveis
está  livre  pra  jogar  escolhas
na  balança  do  tempo.






quinta-feira, 9 de outubro de 2014

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O GOSTO DO SAPO


Maria Solange Amado Ladeira 
“Estou com um horrível gosto de sapo na boca”. Não fui eu quem disse. Foi a boneca Emília no Sítio do Picapau Amarelo. Mas eu li. O que não muda nada, porque naquela época eu não sabia ainda que gosto tinha um sapo. Desde então, tenho engolido tantos que já estou quase incorporando a iguaria ao meu cardápio diário. E o gosto continua de sapo. Nojento. Pegajoso. Escorregadio. Borrachudo.
Geralmente, ao deglutir um sapo, o faço por conta própria. Ninguém me dá uma força, ninguém se solidariza. Digamos que é um vício solitário. À exceção de domingo passado. Dia de votação. Dia de exercer a cidadania nesse país troncho, cheio de necessidades especiais. Esse foi um dia especial. Faltou sapo no mercado. E pior. Tinha fila pro engolimento do sapo. Digamos que foi um engolimento coletivo. Me fez lembrar minha infância, quando minha mãe botava todo mundo em formação militar pra colherada substanciosa de óleo de rícino, depois, com o perdão da palavra, era esperar a merda. E ela vinha, com infalibilidade papal.
E assim, acuados, sem escolha, contrariados, botamos nossa colherada de óleo de rícino pra dentro, que no fim do dia nem sapo havia mais. E nem sabemos como os intestinos da nação vão responder a essa ineficiente solução. E o caso é esse: a sensação é de que a eficácia da medicação é pequena pro tamanho do rombo que tentamos consertar. A impressão que temos é que a nossa política virou uma zona de baixo meretrício. Não é de bom tom militar por alí. Ou nossa eleição virou algo assim como eleição de síndico. Ninguém quer os novos candidatos e os mais competentes e confiáveis não topam atuar em meio a tanta baixaria. E aí é chover no molhado que é onde o sapo se reproduz.
Mas eu me consolo. Vejam bem. Não somos só nós nesse Brasil varonil, que engolimos um sapo atrás do outro. Dia desses, estava lendo um livro e  uma cena me causou certo frisson – qualquer coincidência é mera semelhança – a cena se passa no dia 30 de agosto de 1957, dia em que a Malásia finalmente se viu livre do domínio britânico. A multidão se reúne em frente ao Palácio do Governo, ruidosa, excitada, emocionada. É quando o Primeiro Ministro recolhe a bandeira do Império britânico, puxa a cordinha, e a bandeira da Malásia, com sua lua, estrelas e listras começa a subir, sob aplausos e gritos. Do alto, o Primeiro Ministro lança seu grito de guerra: MERDEKA! Desde então, imperou a merdeka na Malásia e ninguém mais se entendeu. Em princípio vocês podem pensar como eu, que o Ministro malaio deve ter dado uma topada ao pegar a cordinha da bandeira, daí esse palavrão intempestivo. Ledo engano. Merdeka é a palavra malaia para independência.
Vejam só. Estamos anos luz à frente da Malásia. Entra eleição e sai eleição, continuamos mergulhados na merdeka. Já arriamos a bandeira de Portugal há um bom tempo e esse horrível gosto de sapo não sai da boca. Será esse o mesmo gosto da merdeka malaia?



     solangesolsal@hotmail.com         

sábado, 4 de outubro de 2014

meu aniversário

Fátima Fonseca

disputas eleitorais sempre ocorreram neste mês
a simplicidade franciscana é ressaltada no quatro dia
temos também o dia das crianças, dos professores, das bruxas...

comigo estão todos os que venceram e perderam a disputa
o horário de verão, os inquietos, os franciscanos as bruxas
que eu sou
nasceram neste mês de outubro.


Cida Garcia

             Entrelaçamento quântico

      A  quântica  engolirá
      por  certo
      o  romantismo.  Varrerá
      do  céu  aberto
      estrelas  e  luar.
      A  poesia,  fatalmente,
      nas  dores  de  se  reinventar
      terá  pela  frente
      conflitos  einsteinianos.
      Causalidade
      explica  muito  menos
      que  probabilidade,
      os  teóricos  dizem.
      Chocam-se  os  poetas,
      claro  que  se  rendem
      a  estas  novas  pautas.
      Amantes  não  mais  se  amam
      por  causa  da  lua  cheia.
      Se  por  acaso  se  encontram
      e  grudam  na  mesma  teia,
       inda  que  a  teia  se  estique
       restam  interconectados
       apesar  de  nenhum  toque,
       corações  particulados
       quanticamente  poéticos
       a  sentir  o  que  o  outro  sente,
       jovens  maduros  caquéticos
       gêmeos  no  eternamente.

O SONHO DAS ROSAS


Antonieta Borges Alves

Num transporte sublime as rosas encarnadas,
esplêndidas na cor e raras nos perfumes,
no vaso de cristal adormeceram líricas.
Lá fora é claro o céu, e elas enamoradas
pressentem, a sonhar, o festival de lumes
que põem pelos vergéis mil ternuras idílicas.

- Neste mundo haverá mais beleza e harmonia?
Que pincel fixará em traços magistrais
a quietude infinita, a suprema poesia
do sonho que só dura um luar, nada mais?

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Votem em mim!

Fátima Fonseca
Tenho a cabeça na lua, 
calos nos pés por pisarem nas estrelas, 
um rancho  e uma rocinha de poemas. 

Prometo plantar saudades sempre vivas, 
vitórias régias 
e liberdade para colhermos esperanças.
 “Meu partido? Meu coração partido.”


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Saudade

 João Guimarães Rosa
Saudade de tudo!...
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas,
que eu podia viver e não vivi!...
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfãs e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez até hoje ainda espere por mim...
Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!...
Pressa!...
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!...
Como quem fecha numa gota
o Oceano
afogado no fundo de si mesmo...