Maria Solange Amado Ladeira
“Estou com um horrível gosto de sapo na boca”. Não fui eu
quem disse. Foi a boneca Emília no Sítio do Picapau Amarelo. Mas eu li. O que
não muda nada, porque naquela época eu não sabia ainda que gosto tinha um sapo.
Desde então, tenho engolido tantos que já estou quase incorporando a iguaria ao
meu cardápio diário. E o gosto continua de sapo. Nojento. Pegajoso. Escorregadio.
Borrachudo.
Geralmente, ao deglutir um sapo, o faço por conta própria.
Ninguém me dá uma força, ninguém se solidariza. Digamos que é um vício
solitário. À exceção de domingo passado. Dia de votação. Dia de exercer a
cidadania nesse país troncho, cheio de necessidades especiais. Esse foi um dia
especial. Faltou sapo no mercado. E pior. Tinha fila pro engolimento do sapo.
Digamos que foi um engolimento coletivo. Me fez lembrar minha infância, quando
minha mãe botava todo mundo em formação militar pra colherada substanciosa de
óleo de rícino, depois, com o perdão da palavra, era esperar a merda. E ela
vinha, com infalibilidade papal.
E assim, acuados, sem escolha, contrariados, botamos nossa
colherada de óleo de rícino pra dentro, que no fim do dia nem sapo havia mais.
E nem sabemos como os intestinos da nação vão responder a essa ineficiente
solução. E o caso é esse: a sensação é de que a eficácia da medicação é pequena
pro tamanho do rombo que tentamos consertar. A impressão que temos é que a nossa
política virou uma zona de baixo meretrício. Não é de bom tom militar por alí.
Ou nossa eleição virou algo assim como eleição de síndico. Ninguém quer os
novos candidatos e os mais competentes e confiáveis não topam atuar em meio a
tanta baixaria. E aí é chover no molhado que é onde o sapo se reproduz.
Mas eu me consolo. Vejam bem. Não somos só nós nesse Brasil
varonil, que engolimos um sapo atrás do outro. Dia desses, estava lendo um
livro e uma cena me causou certo frisson
– qualquer coincidência é mera semelhança – a cena se passa no dia 30 de agosto
de 1957, dia em que a Malásia finalmente se viu livre do domínio britânico. A
multidão se reúne em frente ao Palácio do Governo, ruidosa, excitada,
emocionada. É quando o Primeiro Ministro recolhe a bandeira do Império
britânico, puxa a cordinha, e a bandeira da Malásia, com sua lua, estrelas e
listras começa a subir, sob aplausos e gritos. Do alto, o Primeiro Ministro
lança seu grito de guerra: MERDEKA! Desde então, imperou a merdeka na Malásia e
ninguém mais se entendeu. Em princípio vocês podem pensar como eu, que o
Ministro malaio deve ter dado uma topada ao pegar a cordinha da bandeira, daí
esse palavrão intempestivo. Ledo engano. Merdeka é a palavra malaia para
independência.
Vejam só. Estamos anos luz à frente da Malásia. Entra eleição
e sai eleição, continuamos mergulhados na merdeka. Já arriamos a bandeira de
Portugal há um bom tempo e esse horrível gosto de sapo
não sai da boca. Será esse o mesmo gosto da merdeka malaia?
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