terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

 *EIS-ME*


Tendo-me despido de todos os meus mantos

Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses

Para ficar sozinha ante o silêncio

Ante o silêncio e o esplendor da tua face


Mas tu és de todos os ausentes o ausente

Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca

O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras

E o teu encontro

São planícies e planícies de silêncio


Escura é a noite

Escura e transparente

Mas o teu rosto está para além do tempo opaco

E eu não habito os jardins do teu silêncio

Porque tu és de todos os ausentes o ausente


       *_Sophia de Mello Breyner Andresen_, in Livro Sexto (1962).*

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

 Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta.

Clarice Lispector, in "Um Sopro de Vida"