sábado, 28 de dezembro de 2013

RECEITA DE ANO NOVO


Carlos Drummond de Andrade 

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Feliz Natal ...


Flávia Lacerda
Feliz, alegre, sorridente
Sorrir e mostrar os dentes
Leveza, chuva, sol, saudade
Tudo pode se é de verdade
De mentira só de quando em vez
Após perder a sensatez
E se encontrar na loucura e na incerteza da vida.
Que o natal aconteça em você, em mim, nos seus e nos meus.
Feliz natal!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Que neste Natal...


eu possa lembrar dos que vivem em guerra,
e fazer por eles uma prece de paz.

Que eu possa lembrar dos que odeiam,
e fazer por eles uma prece de amor.

Que eu possa perdoar a todos que me magoaram,
e fazer por eles uma prece de perdão.

Que eu lembre dos desesperados,
e faça por eles uma prece de esperança.

Que eu esqueça as tristezas do ano que termina,
e faça uma prece de alegria.

Que eu possa acreditar que o mundo ainda pode ser melhor,
e faça por ele uma prece de fé.

Obrigada Senhor
Por ter alimento,
quando tantos passam o ano com fome.

Por ter saúde,
quando tantos sofrem neste momento.

Por ter um lar,
quando tantos dormem nas ruas.

Por ser feliz,
quando tantos choram na solidão.

Por ter amor,
quantos tantos vivem no ódio.

Pela minha paz,
quando tantos vivem o horror da guerra.
autor desconecido

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

maturidade

A maturidade do homem consiste em haver reencontrado a seriedade que tinha no jogo quando era criança.
Friedrich Nietzsche

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Canção na plenitude

Lia Luft

Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

domingo, 15 de dezembro de 2013

SONETO A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Emílio Moura

A hora madura envolve-te e palpita
nela o que ora te oferta, ora recusa:
posse do que és, na solidão recôndita,
graça de amar, ressurreição dos mitos.

Claros enigmas riscam céus distantes.
Falam-te as coisas pela voz que é o próprio
sentimento do mundo e pela meiga
sombra gentil que ressuscita a infância.

Ouço-te andar nas lajes desta rua,
que nem sei se é de Minas ou de alguma
pátria remota que ao teu canto se abre.

E amo-te a voz multiplicada em ecos:
verbo dócil à força íntima e pura
que à máquina do mundo se incorpora.

sábado, 14 de dezembro de 2013

CONSTRUÇÃO


Dagmar Braga
Lanhada a pedra,
faço-me fio,
partilho, rasgo
entranha e estranho.

Quebrado o leme,
desoriento,
acolho vento,
maré e abismo.

Cavado o poço,
torno-me água,
mão retorcida,
lisura e barro.

Feito o silêncio,
lasso a palavra -
gume sequioso
de outra navalha.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Neste Natal precisamos...


Ronald Claver
acordar o Menino que vive em nós
plantar gerânios, margaridas e sonhos
colher luas  e esperanças
pousar a cabeça em algum ocaso
e acender a estrela-guia que nos norteia

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Reinvenção

Cecília Meireles

A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! Tudo bolhas que vêm de fundas piscinas de ilusionismo... – mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcança...
Só - no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva.
Só - na trevas fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

chuva


Fernando Pessoa
Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego…

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece…

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente…

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Nunca e Sempre



Helena Kolody 

Sempre cheguei tarde 
ou cedo demais. 
Não vi a felicidade acontecer.

Nunca floresceram 
em minha primavera 
as rosas que sonhei colher.

Mas sempre os passarinhos 
cantaram e fizeram ninhos 
pelos beirais 
do meu viver. 

domingo, 8 de dezembro de 2013

8 de dezembro, aniversário de nascimento e morte da ilustre poetisa portuguesa Florbela Espanca



Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la assim florida, pois se Deus nos deu voz, foi para cantar! E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada que seja a minha noite uma alvorada, que me saiba perder...para me encontrar....
Florbela Espanca

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Tudo o que vejo

Viviane Mosé

Era tarde nas janelas da sala,
Um gosto de tarde que eu queria lamber.
Tenho vontade de lamber as coisas que gosto,
Mesmo as que não gosto costumo lamber sem querer.
Às vezes com a língua mesmo.
Molhada e escorrida.
Outras vezes uso a língua da palavra,
Quando tem cheiros ruins
Ou asperezas estranhas ao paladar de minha pessoa,
Ou por nada mesmo por gosto
Passo a língua nas coisas que vejo
E passo as coisas que vejo pra língua.

domingo, 1 de dezembro de 2013



Viviane Mosé
Eu poderia chorar de coisas assim:
Corre um rio de minha boca, corre um rio de minhas mãos.
Dos meus olhos corre um rio.
Na verdade sofro de excessos, que me dão certo vocabulário
Como derramar, escorrer, atravessar.
Tenho a impressão de que tudo vaza em sobras.
Tenho dificuldade em caber.
Pra caber mais, derramo por nada, derramo sem motivo.
Vou acalmar meu excesso pensei (...)
Palavras são estacas fincadas ao chão.
Pedras onde piso nessa imensa correnteza que atravesso.

sábado, 30 de novembro de 2013

ela era...


Renata Fagundes
Ela era uma mulher de fibra, guerreira
mas tinha mania de sentir o som
ouvir os tons
desnudar o corpo
e cantar em silêncio

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Fátima Fonseca
A pá-lavra
arrasta entulhos
me cava rios
floresce esperança
me apascenta entre os lírios

Eu (:) rio


Bianka Andrade

Eu: rio de dor.
Eu rio da dor
persistente,
perspicaz,
penetrante.

Eu rio da dor.
Eu: rio de dor
consciente,
cos+]tumaz,
cortante.

Companheiro sagaz
esse absinto amargor.
Companheiro insistente
esse rio de dor.

Eu rio da dor.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Anatomia


Ana Caetano

Qual a matéria do poema?
A fúria do tempo com suas unhas e algemas?

Qual a semente do poema?
A fornalha da alma com os seus divinos dilemas?

Qual a paisagem do poema?
A selva da língua com suas feras e fonemas?

Qual o destino do poema?
O poço da página com suas pedras e gemas?

Qual o sentido do poema?
O sol da semântica com suas sombras pequenas?

Qual a pátria do poema?
O caos da vida e a vida apenas?  

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O último verso de Celan


Alexandre Marino

Margeia o rio o anónimo suicida,
a afogar-se na aridez humana.
Ainda lhe resta uma luz na madrugada,
realizar a morte como projeto de vida.

Não é um rio qualquer, é o Sena,
a dividir a civilização ao meio.
Testemunha de históricas tragédias,
que a paz dessas águas não serena.

Ele versejou no idioma dos carrascos
e procurou nas dores a beleza.
Quantos parasitas quebram o silêncio...
Cruza a ponte o morto solitário.
A noite parece leve a seus eflúvios.
Contra as feras, faz-se náufrago.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

inicio-me onde germina o voo dos pássaros.


Alexandre Bonafim

Estou na iminência do ser.
A existência de tudo calou-se em mim.
No além dos pensamentos,
fecundei-me na nudez dos sonhos.
Agora sou límpido como céu
despido de nuvens. inicio-me
onde germina o voo dos pássaros.

sábado, 23 de novembro de 2013

Clarice Lispector

Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver:
A salvação é pelo risco,
Sem o qual a vida não vale a pena!!!"

Romance


Fátima Fonseca

começava uma história de amor
quando  fui dominada pelos   inquietos  
todos tinham  traços de loucura
me habitaram todos os solitários e desamparados 
aqueles que viveram esperando a felicidade

nesse turbilhão de  suplicas ,
encantamentos,
canções  sem rumo,
transbordei...
derramei  dores e amores
esvasiei  me  das personagens  e seus romances

então, quem é que ainda planta mudas de desejos dentro de mim?


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

toda prosa

Fátima Fonseca
a menina pintou os lábios
caprichou no decote
e toda prosa foi pra janela
esperar um possível bote.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A SOMBRA QUE NOS HABITA


              
       IVAN MARTINS

 Há uma tristeza em nós que sobrevive às maiores alegrias. Todo mundo sabe disso. Freud, Shakespeare, Paulo Leminski. Um dia, inevitavelmente, os neurocientistas irão localizar, com ajuda de ressonância magnética, o vão do cérebro que permanece cinza mesmo no auge da euforia e no ápice da paixão. Então saberemos, com rigor científico, o que sempre soubemos: que a sombra e a melancolia são partes inseparáveis de nós.

Ter isso claro ajuda a entender o que nos passa. Ajuda a compreender nossos humores estranhos. Ajuda a entender uma tarde sombria no auge do verão. Ajuda a aceitar uma noite em claro, o silêncio no meio da festa, a vontade irresistível de chorar ouvindo uma canção no rádio. Também somos assim.

Às vezes temos sonhos de abandono em momentos serenos da vida. Neles, a pessoa que a gente ama vai embora, nos vira as costas, torna-se repentina e irremediavelmente inacessível. A gente acorda de um sonho desses com a alma turva, tomado de desconfiança. Olha cheio de ressentimento para a outra, adormecida ali ao lado, e se pergunta: por quê?

Não acho que exista uma resposta, mas eu tenho uma teoria.

A mim parece que a natureza nos dotou de alarmes. De quando em quando, um deles dispara para nos lembrar, realisticamente, que não há bem que sempre dure. É como se algo em nós dissesse (através do sonho, da inexplicável melancolia, de um pressentimento repentino), “Por favor, não se acostume. As relações não são eternas, a vida não é simples, a dor é inevitável.” Algo em nós avisa que a tristeza faz parte da vida.

Muita gente não está interessada, claro. A moda é parecer feliz e bem-sucedido. Tem mais de um rei do camarote dando pinta por aí. Mas essa fachada social sorridente precisa ser posta de lado na intimidade - ou a intimidade não existe. No aconchego de uma relação verdadeira, tem de haver espaço para os nossos medos, as nossas falhas e as inconfessáveis inseguranças. O lado B da alma humana precisa aparecer, nem que seja no escuro. Sem ele a gente não se entende, nem entende o outro.

Isso não cabe na trama das novelas, mas pessoas de verdade têm sonhos e dias ruins. Gente de carne e osso frequentemente parece incompreensível. Certas manhãs, elas nos olham com tanta tristeza que dá vontade de escrever um poema, de abraçar apertado, de segurar pelas bochechas e dizer “Eu sei como é. Eu estou aqui”. Talvez nem adiante, mas faz parte. Estamos nesse mundo também para nos consolar mutuamente.

Por isso acho bacana respeitar minha tristeza e a dos outros. Ela faz parte. Nos livra da idiotia de um sorriso permanente. Nos coloca em harmonia com um mundo nem sempre gentil. Reflete algo de profundo e inexorável da nossa biologia. No final das contas, é parte de nós. Como a alegria. Se não ligarmos para ela durante o dia, virá nos visitar durante a noite, num sonho – do qual sairemos de olhos molhados e sozinhos, até que um abraço nos resgate.

domingo, 17 de novembro de 2013

Pedaços de Mim


Martha Medeiros

Eu sou feito de Sonhos interrompidos detalhes despercebidos amores mal resolvidos.  Sou feito de Choros sem ter razão pessoas no coração atos por impulsão.  Sinto falta de Lugares que não conheci experiências que não vivi momentos que já esqueci.  Eu sou Amor e carinho constante distraída até o bastante não paro por um instante.  Já Tive noites mal dormidas perdi pessoas muito queridas cumpri coisas não prometidas.  Muitas vezes eu Desisti sem mesmo tentar pensei em fugir,para não enfrentar sorri para não chorar.  Eu sinto pelas Coisas que não mudei amizades que não cultivei aqueles que eu julguei coisas que eu falei.  Tenho saudade De pessoas que fui conhecendo lembranças que fui esquecendo amigos que acabei perdendo Mas continuo vivendo e aprendendo.

sábado, 16 de novembro de 2013

alegria


assinado


Fátima Fonseca

uma letra sagaz
inclinação para a arte
torta de malícia
contornos de elegância
letra que estica,  retorce
disfarça ternura e escorre mistério
com passos ocultos
passeias traiçoeira em ausência
cutuca  vaidade
assombra  espantalhos
espreguiça em  “G”
vidra minha atenção
sem me ver contigo
o gato e mulher se confundem
no espelho. 


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Adão Ventura


ALFABETIZAÇÃO

Papai
levava tempo
para redigir uma carta

Já mamãe Sebastiana de José Teodoro
teve a emoção de assinar seu
                                nome completo
já quase aos setenta anos

PAISAGENS DO JEQUITINHONHA

Quem dança no vento
                            no ventre das águas
                            do Jequitinhonha?

Quem percorre o leve
                            de breves passos
nas margens do Araçuaí?

Quem detém dos pássaros
                            o ziguezaguear de vôos
                            recompondo sombras
                            sobre lixívias e lavras
                            de Chapada do Norte?

Quem imprime
                   em argila
                   a singeleza dos gestos
                   dos artesãos de Minas Novas?

IAM

não sei não. mas a aqui a gente
conversa assuntos
que na Capital necas/nadas.
lá é aquela gente correndo
— correria sem fim
pra qualquer decá aquela palha.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Pergunta-me

Mia Couto
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Não falei, mas concordo!


"Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar!"

"E o que importa não é o que você tem na vida, mas sim quem você tem na vida."

"O que não nos derruba, só nos fortalece!"

"Tempo é aquilo que passa enquanto eu me divirto!"

"A emoção me faz chorar... a tristeza me faz crescer."

"Se as pessoas que falam mal de mim soubessem o que penso delas, falariam mais!"

"Não vou desistir, nem desanimar. Sei que a vida passa se a gente para de lutar.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

sentidos


David Mourão-Ferreira
Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio de asas.
Como quereis o equilíbrio?

Este livro



José Luís Peixoto
este livro. passa um dedo pela página, sente o papel
como se sentisses a pele do meu corpo, o meu rosto.

este livro tem palavras. esquece as palavras por
momentos. o que temos para dizer não pode ser dito.

sente o peso deste livro. o peso da minha mão sobre
a tua. damos as mãos quando seguras este livro.

não me perguntes quem sou. não me perguntes nada.
eu não sei responder a todas as perguntas do mundo.

pousa os lábios sobre a página. pousa os lábios sobre
o papel. devagar, muito devagar. vamos beijar-nos.


domingo, 10 de novembro de 2013

cicatriz


Caio Fernando Abreu
"Temos de ver todas as cicatrizes como algo belo. Combinado?
 Este vai ser o nosso segredo. Porque, acredite em mim, uma cicatriz não se forma num morto.
Uma cicatriz significa: “Eu sobrevivi.


sábado, 9 de novembro de 2013

às vezes estou para Lispector, Espanca ou para Barros... ontem estive com anônimos, hoje acordei A breu


"Eu sou uma eterna apaixonada por palavras. Música. E pessoas inteiras. Não me importa seu sobrenome, onde você nasceu, quanto carrega no bolso. Pessoas vazias são chatas e me dão sono. Gosto de quem mete a cara, arrisca o verso, desafia a vida. Eu sou criança. E vou crescer assim. Gosto de abraçar apertado, sentir alegria inteira, inventar mundos, inventar amores. O simples me faz rir, o complicado me aborrece".
Caio Fernando de Abreu

"Eu sei que todos os dias quando eu acordo Deus dá um sorriso e me diz: Estou te dando a chance de tentar de novo."
Caio Fernando de Abreu

A vida é feita de escolhas. Quando você dá um passo à frente, inevitavelmente alguma coisa fica para trás.
Caio Fernando de Abreu

Tô me afastando de tudo que me atrasa, me engana, me segura e me retém. Tô me aproximando de tudo que me faz completo, me faz feliz e que me quer bem.(...)
Caio Fernando de Abreu

“Escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta."
Caio Fernando de Abreu

"Então e assim, somos presente, passado e futuro. Tempo infinito num só, esse é o eterno."
Caio Fernando de Abreu

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Se é pra amanhecer, que me permita ser sempre verão…


Erikah Azzevedo
Se é pra aquecer que eu me faça sempre fogo. Se é pra amanhecer, que me permita ser sempre verão…se é pra recomeçar que eu me sinta sempre dia, se é pra iluminar que eu me veja sempre sol....e se eu me estilhaçar que possam me transformar em estrelas porque se é pra viver que seja sempre de explosões e se for pra arder que seja sempre de vida.

.....

Hilda Hilst
Se te pareço noturna
e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim,
como se tu me olhasses
E era como se a água
Desejasse...

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Poda


Desfolhar
Doi mudar
Renascer, renovar 

AS PALAVRAS SÃO NOVAS


José Saramago 


As palavras são novas: nascem quando
No ar as projectamos em cristais
De macias ou duras ressonâncias


Somos iguais aos deuses, inventando
Na solidão do mundo estes sinais
Como pontes que arcam as distâncias.



NO SILÊNCIO DOS OLHOS
Em que língua se diz, em que nação, 
Em que outra humanidade se aprendeu 
A palavra que ordene a confusão 
Que neste remoinho  se teceu? 
Que murmúrio de vento, que dourados 
Cantos de ave pousada em altos ramos 
Dirão, em som, as coisas que, calados, 
No silêncio dos olhos confessamos?


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

INFÂNCIA


Marc Gogh
Meninice a saltar por Santa Teresa
bairro de minha infância, das peraltices
das brincadeiras na praça, dos jogos
a deliciar o momento da criançada.

Rua Salinas, primeira estação
o beco, o cortiço do Seu Manoel,
vidas em trânsito, crianças eletrizantes
pobreza ao derredor e muita falação.

Rua Professor Raimundo Nonato
barraco mui simples e amado
historietas de cinco criaturinhas
despontando para a vida que acena.

Mãe com jeito protetor
animal arisco protege sua prole
bravura destemida em índole nortista
sensível no coração de grande mulher.

O pai, longe, labor bem distante
toque narcísico de sua existência
permeia as terras das Geraes,
amoroso no jeito doce de ser.

Gritaria da turma na "gran" barroca
buraco fundo, terra rosada
restos de construção, cacos de vidro,
criançada em auge aposta que voa.

Festas animadas na casa simples
reunião dos verdadeiros amigos,
Titia e Almir, risadas em êxtase
borbulhar dos infantes.

Jogos de baralho, casa do Zé Moreira
fumaça embaçante dos cigarros no ar
gritos entusiasmados... TRUCO!
meninada a comer bananada, a farrear.


Caminho para a escola, descida
chororô da mais nova
caminho de brita, casas amigas
caminho de volta, subida.

Sandoval de Azevedo... feijão azedo
Dona Ondina com sua braveza
Professora Natália com sua brandura
tirou o melhor de mim... E eu me achei!





RANCHO QUE DÓI FUNDO


Marc Gogh
Tem horas que vivo do passado
e que o passado vive em mim
(sintomas de quem envelhece),
passado de minha infância
tempos de pura inocência
que vivi em Congo do Soco
pedaço da querida Barão de Cocais.

Ai, que saudade me dá!

Das terras vermelhas, dos caminhos
que levavam à Fazenda Rancho Fundo,
terras dos avós, a perder de vista
delicioso riacho a trepidar
meu coração a palpitar...
nas alegres travessuras que fazia lá.

Ai, que saudade me dá!

Do grande moinho a cantarolar
envolvendo as águas de modo circular,
da gigante máquina de moagem de cana
preparando a doce e escura garapa,
tacho de cobre,  melado de rapadura
salpica borbulhas, tão quente está.

Ai, que saudade me dá!

Dos alqueires com plantação
escondidos entre montanhas virgens
vistos pelo olhar infante
mundo tão vasto, sem vizinhos
na estrada, cobras de vidro encontrar
à noite, fogueira, causos de arrepiar.

Ai, que saudade me dá!

Da tão desejada festa em família,
festa dos aniversários de vovó,
família a cantarolar,
petiscos a saborear,
hinos de alegria e graça
no arrasta pé, sem hora de acabar.

Ai, que saudade me dá!
Da Estrela D'alva no céu a despontar!


texto compartilhado pela poeta e amiga Silvia Boaventura

Viva a tristeza
                                                                   Zélia Duncan
Não, não vou falar mal da tristeza, não seria justo. Eu devo a ela minhas profundidades, minha imaginação, minha volta por cima. Graças a ela vislumbrei coisas importantes para mim. Músicas que várias pessoas conhecem. Cartas, textos, coisas que ninguém vai ler, mas que me serviram em algum momento Mergulhei no por do sol, uivei para a lua, encostei a cabeça na janela daquele dia de chuva e ouvi a música mais linda do mundo. Num dia triste, me sentindo fora do planeta, fui ao cinema e vi Blade Runner.
Num dia soturno fui caminhar na praia e vi a onda mais azul, o céu mais infinito e o horizonte mais perfeito. Num dia triste li e reli Fernando Pessoa e não me senti só. Num dia assim triste uma criança correu e abraçou as minhas pernas, cutucou minha esperança, me confundiu com alguém querido e me fez ligar para alguém que eu amava. Num dia cinza eu me senti viva e quis virar lápis de cor. Num dia oco eu procurei motivos novos e antigos pra me preencher de novo e foi até divertido. Num dia assim – assim trouxe um cachorrinho pra casa, que virou meu menor companheiro. Num dia tristíssimo procurei por você e sua voz me encheu de sorrisos até o resto do dia. No dia mais triste do mundo eu perdi um amigo. No dia seguinte, ainda triste, agradeci por ter tido um dia um amigo que me valesse tanto. Num dia infinitamente triste eu cantei. Minha voz era a voz da tristeza, precisamos nos indignar com ela, precisamos desejar a alegria genuinamente. Com essa mania de corrigir tudo no computador, acabamos facilitando nossa fragilidade diante de tudo. Ortografias, fotos, cores, sorrisos, a vida vai virando um show de Trumman de verdade ! Você ouve uma voz, mas não tem certeza se foi corrigida ou não, vê uma foto, mas não sabe se há silicone, injeções ou photoshops, lê um texto e a autoria fica vagando pelos sites. Um olhar positivo sobre a vida é sempre fundamental, mas, neste mundo em que vivemos, ter como exigência o riso é quase uma falta de respeito.. .Ou de consciência.  Sei lá, vejo as pessoas querendo morrer de rir, muitas vão ao teatro só se for comédia, e isso me assusta um pouco. Se não entrarmos em contato com as consistências das coisas e suas eventuais tristezas, como podemos acreditar na alegria quando ela vem?

Maria Sílvia Vargas Boaventura- Oficina de Escrita 5/11/2013

mini conto (ilustrado em fato real)

Mini conto I
Horácio Júnior , engenheiro, casado, três filhos, meu vizinho de longas datas e colega de boteco.
Horácio  tem os olhos esverdeados e rasgados, por isso foi apelidado de “cat”.
Por falar nele por onde andas?
No bar fiquei sabendo que ele  divorciou, mudou de bairro, e estava evitando contatos.
Mini conto II
Era uma tarde de segunda-feira, fazia muito calor e eu estava numa fila dentro de um cartório de Belo Horizonte lotado de pessoas ansiosas para serem atendidas quando alguém pelas minhas costas puxou sutilmente  a manga da minha camisa e pronunciou “zino” meu apelido que só familiares e vizinhos conheciam. Virei e fiquei muito assustado  pois era um mendigo sujo com cabelos felpudos que quase cobriam seu rosto, fiquei estático sem entender. Arregalei os olhos e me aproximei um pouco mais na tentativa de entender quando ele pronunciou  em tom de brincadeira: miaaau...
–cat ! !!!
_Sim,  sou eu.
Você tem um trocado pra um cafezinho?

recebeu o dinheiro e saiu rapidamente sem agradecer.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

uma frase do poeta Jorge Luís Borges

"Eu acho que os jovens são facilmente infelizes porque, é claro, as
  paixões são mais fortes e, entre as paixões, está o desespero, não é?
 "


superação


Fátima Fonseca
Uma árvore retorcida
Um ninho pendurado
A noite umedecida

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

lua congelada


Mário Benedetti

Com esta solidão
ingrata
tranquila

com esta solidão
de sangrados achaques
de distantes uivos
de monstruoso silêncio
de lembranças em alerta
de lua congelada
de noite para outros
de olhos bem abertos

com esta solidão
desnecessária
vazia

se pode algumas vezes
entender
o amor.

domingo, 3 de novembro de 2013

bem-me quer...


José Saramago
“A vida, esta vida que inapelavelmente, pétala a pétala,
vai desfolhando o tempo, parece, nestes meus dias,
ter parado no bem-me-quer …”

sábado, 2 de novembro de 2013

receitas de Aninha


Fátima Fonseca

ouço seu andar pelos morros dos meus olhos
nem sei se aqui é Minas
mas vejo pontas de minhas raízes ressequidas nessas páginas
conheço esse caminho de pedrinhas miúdas, reviradas...
florzinhas acanhadas, pisadas, maltratadas.

- aqui há sol! muito sol!
sua voz de nascimentos  sopra-me versos

feinha vou milagrando em letras nas rachaduras
da dureza da vida
frágil, relutante, bravia...
integrando na lição terna

curvo em seu ouvido
-semear, vigiar, colher...

Ah, Aninha, ainda faço doces com suas receitas.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

infancia

Fátima Fonseca

chão travessos
rachado de poemas

pés empoeirados
caprichos e carrapichos
grudados na pele

falo...
do que sou feita
lembranças do cerrado

terça-feira, 29 de outubro de 2013

vestimenta


 Fátima Fonseca
essa mania de fazer fita
remendar letras 
chulear palavras
ainda vai alinhavar essa mulher
de poesias.

falo...
da minha veste


sábado, 26 de outubro de 2013

O que é viver bem?



Cora Coralina

"Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice.
E digo prá você, não pense.
Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velha.
Eu não digo.
Eu não digo estou velha, e não digo que estou ouvindo pouco.
É claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso.
Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida.
O melhor roteiro é ler e praticar o que lê.
O bom é produzir sempre e não dormir de dia.
Também não diga prá você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.
Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima.
Eu não digo nunca que estou cansada.
Nada de palavra negativa.
Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica.
Você vai se convencendo daquilo e convence os outros.
Então silêncio!
Sei que tenho muitos anos.
Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha não.
Você acha que eu sou?
Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser.
Filha dessa abençoada terra de Goiás.
Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos.
Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo.
Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé.
Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.
Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o DECIDIR.".


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Como dizia o poeta...


Vinicius e Toquinho
Como dizia o poeta
Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não

terça-feira, 22 de outubro de 2013

eu me lembro e parece que foi ontem...


Fátima Fonseca
eu me lembro e parece que foi ontem
fazia sol  era só paz e amor
embalada...
nem percebi a travessia do entardecer
agora já é noite
sinto dentro de mim
dezembro, janeiro, fevereiro...
a quase transbordar verão.
 verdade é que fiquei antiga
ainda sou do tempo do disco arranhado
da carta de amor que só  os correios poderiam entregar
 ligações  telefônicas para outra cidade só através da  telefonista.
Já estou encostando a bengala da vida louca
preciso andar bem devagarinho
eternizar o que me resta
esse anoitecer.



segunda-feira, 21 de outubro de 2013

palavra minha...

Paulo Lemisk
Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha.

domingo, 20 de outubro de 2013

Eu amo quando não me forço a existir. [...]


Carpinejar

Eu amo quando não me forço a existir.
O que falta fazer não me cansa.
Ainda não cumpri tanta coisa,
que não me apresso em pontuar.
Farto-me de esperança.
Vou imaginando devagarzinho para não acabar.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Recordo ainda…


Mario Quintana

Recordo ainda… e nada mais me importa…
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta…

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança…

Estrada afora após segui… Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino… acreditai…
Que envelheceu, um dia, de repente!

domingo, 13 de outubro de 2013

A MENINA AVOADA

Manoel de Barros

Foi na fazenda de meu pai antigamente
Eu teria dois anos; meu irmão, nove.

Meu irmão pregava no caixote
duas rodas de lata de goiabada.
A gente ia viajar.

As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:
Uma olhava para a outra.
Na hora de caminhar
as rodas se abriam para o lado de fora.
De forma que o carro se arrastava no chão.
Eu ia pousada dentro do caixote
com as perninhas encolhidas.
Imitava estar viajando.

Meu irmão puxava o caixote
por uma corda de embira.
Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.

Eu comandava os bois:
- Puxa, Maravilha!
- Avança, Redomão!

Meu irmão falava
que eu tomasse cuidado
porque Redomão era coiceiro.

As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.
Meu irmão desejava alcançar logo a cidade -
Porque ele tinha uma namorada lá.
A namorada do meu irmão dava febre no corpo dele.
Isso ele contava.

No caminho, antes, a gente precisava
de atravessar um rio inventado.
Na travessia o carro afundou
e os bois morreram afogados.
Eu não morri porque o rio era inventado.

Sempre a gente só chegava no fim do quintal
E meu irmão nunca via a namorada dele -
Que diz-que dava febre em seu corpo.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

alegria


Clarice Lispector
Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver:
A salvação é pelo risco,
Sem o qual a vida não vale a pena!!!"

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Perplexidades


Ferreira Gullar
a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Não sei se a vida...

Cora Coralina
Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

domingo, 6 de outubro de 2013

RUÍNAS


Florbela Espanca
Se é sempre Outono o rir das primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras.
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino de Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais altos do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... deixa-os tombar...

sábado, 5 de outubro de 2013

A mudança


Ledo Ivo
Mudo todas as horas.
E o tempo, sem demora,
muda mais do que fia.

Mudo mas permaneço
bem longe das mudanças.
Como uma flor, floresço.
Sou pétala e esperança.

Mudo e sou sempre o mesmo,
igual a um tiro a esmo.
Como um rio que corre.

Sem sair de onde estou,
de tanto mudar sou
o que vive e o que morre.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O ACENDEDOR DE LAMPIÕES


 Jorge de Lima
Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

auto retrato


Fátima Fonseca

sou do cerrado
norte das minas gerais
da seca eu sou os incendios espontâneos
dos  gravetos  os estalos
da cascavel a astúcia
dos muricis a pequenez
da estiagem a sede
dos redemoinhos a ventania
das grutas e cavernas eu sou o medo de me encontrar

cresci me equilibrando em pinguelas
abrindo porteiras
extraviei-me  por outras bandas
já fui capitu de  Assis
angustia de Flor Bela Espanca
enígma  de Da Vinci
amor  de Vinicius  e muito mais...

hoje   tenho os pés rachados de florzinhas miudas
carrego na  boca um cerrado de letras que não vingaram
retorcida sou a insistência  de não esmorecer
o calor me compoem
o desafio  me incita
quando  menina sonhei
ser valente igual a Maria Bonita