segunda-feira, 30 de setembro de 2013


Vinicius de Moraes
Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

sábado, 28 de setembro de 2013

Sendo quem sou...


Hilda Hilst 

Sendo quem sou, em nada me pareço

Sendo quem sou, em nada me pareço.
Desloco-me no mundo, ando a passos
e tenho gestos e olhos convenientes.
Sendo quem sou
não seria melhor ser diferente
e ter olhos a mais, visíveis, úmidos
ser um pouco de anjo e de duende?
Cansam-me estas coisas que vos digo.

As paisagens em ti se multiplicam
e o sonho nasce e tece ardis tamanhos.
Cansam-me as esperanças renovadas
e o verso no meu peito repetido.
Cansa-me ser assim quem sou agora:
planície, monte, treva, transparência.
Cansa-me o amor porque é centelha
e exige posse e pranto, sal e adeus.

Queres o verso ainda? Assim seja.
Mas viverás tua vida nesses breus.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Rio da vida


Otto Leopoldo Wincko

Dentro de mim corre um rio
sem início e sem desfecho.
Se ele é largo ou se é um fio,
não o sei, pois desconheço.

Dentro de mim corre um rio.
Se ele aí sempre correu
ou se jamais existiu,
nunca o percebera eu.

Só sei que dentro de mim
serpeia este rio submerso,
não contido por confim,
que vem à tona em meu verso.

Rio de luas, rio de lendas,
de amazonas e sereias,
são oníricas as prendas
que me trazem suas cheias.

Meu passado e seus presentes,
meus tormentos (na tormenta),
se me assomam nas correntes
que o seu dorso me apresenta.

Dorso negro onde a lua
fincou esporas de prata
e qual linda índia nua
cavalga no seio da mata.

Rio de botos, jacarés,
medos, mortos, anacondas,
que inunda os igarapés
engolindo-os com suas ondas.

Rio de iaras e de loucos,
de piranhas e de antas,
que me sorve, mas aos poucos,
por suas múltiplas gargantas.

Rio de grotas, pororocas,
banzos, sanhas, fêmeas prenhas,
que entre coxas, xotas, bocas
me ensina em cifras e em senhas.

Quisera eu estancá-lo,
Mesmo secá-lo. Não posso.
Pois ao tentar aplacá-lo,
seu leito torna-se um fosso

no meio do qual me afundo,
em pânico me revolvo,
arrastado para o fundo
onde aos poucos me dissolvo.

Eu agora sou o rio:
baldo rio (longe o oceano)
e que tem por desafio
um jorrar não mais humano.

Rio escuro, turvo rio,
de onde vens, para onde vais?
Quando choro, quando rio,
para onde vão risos e ais?

Rio sem fonte, rio sem foz,
sem margens ou horizontes,
quando cessa, onde a voz,
se sobre o vão não há pontes?

Rio oculto, onde me levas?
Se eu sou tu, se tu sou eu,
por que não sei (em tuas trevas
foi que outrora aconteceu

meu tortuoso despertar),
no âmago desse breu
do teu curso milenar,
qual meu nome, quem sou eu?

diálogo


Clarice Lispector 
-Posso dizer tudo?

-Pode.

Você compreenderia?

-Compreenderia. Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei - por ser um campo virgem - está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade.

 em "A descoberta do mundo"

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O auto Retrato


Mario Quintana
No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Terminado por um louco!

esperança

Renato Russo
Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena
acreditar nos sonhos que se têem
ou que os seus planos nunca vão dar certo
ou que você nunca vais ser alguém...
Renato Russo

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A utopia


 Eduardo Galeano

A utopia está lá no horizonte.
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
 Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.

Para que serve a utopia? Serve para isso:
para que eu não deixe de caminhar.

sábado, 14 de setembro de 2013

infância




Fátima Fonseca
lá na roça
a lua cavalgava nas montanhas
eu  ficava com inveja das pessoas
que diziam saber ler seus mistérios.
adormecia enluarada de assombro e magia.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Dinheiro


me leio poder
hospedo  liberdade
me sinto o “X” da questão
a mola do verso
compreender-me é uma arte
e alerto: seja prudente comigo!
sou melindroso
e é bom mesmo que saiba me analisar com sabedoria

ou você não está nem aí pra mim!?
com toda liberdade posso simplesmente dizer-lhe:
Fui...!
assinado:  DINHEIRO
para os intimos DIM DIM


domingo, 8 de setembro de 2013

Fernando Pessoa


Eu amo tudo o que foi    
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Fernando Pessoa

sábado, 7 de setembro de 2013

eu

Fátima Fonseca
Sou o nada,
penso também que o nada é o todo,
o mistério e a complexidade do mundo.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

liberdade


Fátima Fonseca
oficina literária em 03/0913

eu escorria livre
saudade abaixo
transbordando pelas margens
contornando palavras
encharcando esperanças
espumando de alegria
só de ouvir
os abraços de seu nado
ao meu encontro.