domingo, 12 de novembro de 2023

 


O machado é de Assis

A bandeira é de Manuel

A rosa é do Guimarães

Feliz é o Jorge que é amado.

sábado, 7 de outubro de 2023

 “Eu tenho o destino do vento, e tenho a vida presa nas teias de uma esperança desconhecida. A rosa dos ventos. Tenho o destino dos pássaros. Voando, voando, até à queda final. Tenho destino de água. Sempre correndo em todas as formas, umas vezes nascente, outras vezes rio. Outras vezes suor e lágrimas. Dilúvio. Gota de orvalho na garganta de um passarinho. Sou vapor aquecido pela vida. Sou gelo e neve na câmara de um congelador. Mas sempre água, o movimento é a minha eternidade. Sou um animal ferido por todas as coisas. Pelo cantar dos passarinhos, pelo vermelho dos antúrios, pela floração das violetas…” 

(Paulina Chiziane)

terça-feira, 19 de setembro de 2023

O amor


O amor


Ah nao quero falar de amores

não quero falar dos desertos

que inventei

que atravessei 

entardeceu... 


não tenho mais tempo 


agora só quero caminhos férteis

para namorar

meu desejo de florir.

fatima fonseca

domingo, 17 de setembro de 2023

sábado, 16 de setembro de 2023

O bom rapaz

 (Conto inspirado em fatos reais)


O bom rapaz cuidou da mãe idosa e herdou a moradia. Tinha um emprego, vivia sozinho de forma simples e equilibrada. Conheceu uma princesa rica e cheia de poderes e logo sua carroça virou uma carruagem.   Vendeu sua casinha, pediu demissão do trabalho e foi viver no sul do país uma história mágica com sua amada. Não demorou  descobrir que estava mergulhado num mundo "faz de conta" e que tinha apaixonado por uma personagem. Colocou os pés no duro chao. Morreu de overdose de realidade.
                      Fatima Fonseca

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

setembro

 Há qualquer coisa de delicadeza
com voz de  poesia
que
adentra setembro
                                   Fatima Fonseca

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Paris

 


Minha Paris  
está no meu jardim
nos faróis dos  vaga lumes
que cortam o breu 
das noites sem luar 
feito picadinho de estrelas.

Enigmático


Havia naquele agosto um vento
que respiravas dentes de leão
um assopro sedento por asas

estremecida na tímida leveza
ela era imperfeita
mas
quando despertou já voava
eterno torna-se
sempre viva
começavas outro amanhã.
                                 Fatima Fonseca

segunda-feira, 10 de julho de 2023

 Entendo bem o sotaque das águas

"Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios."
                      Manoel de Barros

domingo, 9 de julho de 2023


Na surdina
o tempo costura
nova veste para o poema nu.
              Fatima Fonseca


quinta-feira, 29 de junho de 2023

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Flor de maracujá


Já fui  flor
Caçadora de primavera
aquarela de arco-iris
bela, grávida de eternidade
vagando no mundo
interrogativa, indefinida
ao seu  destino
de um maracujá enrugado
mas se a navalha da palavra 
me atravessa
transbordo as taças
um reverdecer líquido
onde escorrem pelos trilhos
os
poemas amadurecidos pelo tempo

                     Fatima Fonseca

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Página de um diário


Perguntei para minha amiga anfitriã:
Com qual roupa eu vou?
Vá com a mesma  que você usou ontem. Ficou ótima em você.
A mesma roupa?
Mas o que vão dizer as pessoas?
Minha amiga deu uma gargalhada e respondeu: acorda mulher! Você está numa capital. Aqui ninguém quer saber de ninguém.
Da roça para a cidadezinha, eu nunca havia colocado os pés em outro lugar. Acabara de experimentar pela primeira vez o prazer em ser anônima.
Naquele momento tomei uma decisão. É aqui que eu quero morar. Pois carregava um fardo pesado por ser famosa. Isso mesmo: famosa.  Pobre, invisível  e famosa. Lá no interior você já nascia famoso. Todos eram famosos.Todos se conheciam. E existia aquela troca sutil de competição e desafeto, as vezes um trágico trocar de asas por pedras.
Bom mesmo só os biscoitos riscados de carvao forno de barro  feitos pela minha avó. Tinha um ingrediente  só dela: amor
Querido diário, hoje pedi minha tia para me enviar um cheirinho de alecrim e fui escrever porque  bateu uma saudade danada do canteiro da casa velha  lá do interior. Porém uma certa estupidez desavisada atravessou  minha memória para  expor a lua de uma certa amargura.
afetos e desafetos
mas você sabe, sou inclinada para o amor. Tenho todas as sílabas. Escrevo a palavra: MILAGRE

segunda-feira, 15 de maio de 2023

 

Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas um passarinho me diz que somos feitos de histórias.

segunda-feira, 1 de maio de 2023

domingo, 30 de abril de 2023

 


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade, (1940) 

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Eu...


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

 É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.

Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.

                Manoel de Barros

terça-feira, 4 de abril de 2023


numa ponta a realidade
na outra ponta o devaneio

E porque a realidade
tem mãos  de ferro,
dentes de leão,
e anda  nua e crua aos pés da cova,

ela sempre deu um jeito
de flertar com as estrelas,
de desaparecer com as nuvens, 
de conversar com os queridos
que já partiram.
Ninguém entende sua lucidez
e
diz que é delírio.
                                     Fatima Fonseca

quarta-feira, 22 de março de 2023

A meu favor


Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

Alexandre O’Neill

segunda-feira, 20 de março de 2023


A menina vestida de chita 
levava em sua cesta sonhos
queria tocar o horizonte,
mas quando chegava no topo
avistava outro horizonte
ali  ela decidiu escrever
um poema turquesa 
e foi assim que  ficou
afogada no verde e azul
com gosto de colinas na boca
com os olhos nuveados,
brumados, quase verbo.
tem remédio?     
                              Fatima Fonseca
  

sexta-feira, 17 de março de 2023

 


Os sonhos têm idades
e existem perguntas
que nem o eco  responde, 
todos os dias mudo
e sou outra pessoa
nao sei para onde estou indo
nem tenho intinerario
estou me tornando
fluente em silencio
nao que eu queira
aliás quando dei por conta 
tudo já  inclinava
para dentro.
                            Fatima Fonseca

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

 *EIS-ME*


Tendo-me despido de todos os meus mantos

Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses

Para ficar sozinha ante o silêncio

Ante o silêncio e o esplendor da tua face


Mas tu és de todos os ausentes o ausente

Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca

O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras

E o teu encontro

São planícies e planícies de silêncio


Escura é a noite

Escura e transparente

Mas o teu rosto está para além do tempo opaco

E eu não habito os jardins do teu silêncio

Porque tu és de todos os ausentes o ausente


       *_Sophia de Mello Breyner Andresen_, in Livro Sexto (1962).*

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

 Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta.

Clarice Lispector, in "Um Sopro de Vida"