O BRADO DA DANDARA DOS
PALMARES
Gláucia Maria Vasconcellos Vale
Sou
Dandara
dos
bantus filha
benção
de Nzambi Mpungu
sou
caçadora
guerreira
nasci
livre
morro
livre
livre
o
marimbondo
nascido
da minha língua
com
o ferrão da minha ira
os
ares são livres
as
ondas nos mares
os
ventos do leste
o
verde
no
agreste
livre é Zumbi
companheiro
cria
senhor
do
Quilombo dos Palmares
do
Rio Mundaú
ao
mar
meu
corpo seu leito
seiva
segredo das crateras
entre
bundas e coxas
o
prazer do cafuné
dengos
em noites fecundas
na
boca das manhãs
o
banzo da madrugada
um
moleque
dois
moleques
sem
cochilo
com
cuidado
cem
guerreiros a lutar
outros
mil que vão chegar
***
o entrelaçar
das
miçangas
pedra
a pedra
e
devagar
pega
o jeito da Yá
pega
no feito
de
Ogum
no
arfar da enxada
o
batuque da cuíca
na
ginga da capoeira
o
guardar dos mantimentos:
canjica
fubá farofa
dendê
o
polir da ferramenta
o
forjar das novas letras
bem
dita
língua
dos bantos
argila
da construção
semente
em campo agreste
moro em todas as pegadas
me
demoro nas curvas dos rios
me
ancoro entre montanhas e vales
no
alto da serra densa
no
umbigo
da
Barriga
seio
do abraço da terra
sei o
segredo
das
palmeiras
as
manhas dos animais
artimanhas
nas
viradas
negra
minha pele
o
brilho da lua
no
negro dos olhos
fortalezas
escondidas
iluminando
os dias
estrelas
arregaladas
ao
frescor
das
madrugadas
virgens
matas conquistadas
escondidas
pelo sol
***
o navio aportou
na
carga a marca
o
grito do mudo
no
surdo do ouvido
a
pele salgada
de
púrpuras rosas
desfolhadas
em golfadas
na
ponta
da
chibata
mais
um negro fugido
ia
virar
burro
de carga
saco
de pancada
calado
na mordaça
surrado
na mortalha
marcado
à
ferro e brasa
virou irmão da noite
virou irmão da noite
mais
um guerreiro
em
Palmares
a princesa virou escrava
foi
servir à sinhá
seviciada
servia
de comida ao senhor
no
pescoço a cruz
tortura
de mais um dia
no
ventre a semente
de um
ente deserdado
mais um pobre
desterrado
busca
terra diferente
mais
uma guerreira
em
Palmares
***
barulhos de espoletas
facões
rasgando o espaço
rompendo
cercas
pastos
plantações
choças
ardendo
bazucas
limando troncos
homens
caídos
corpos amontoados
aço
contra ventres nus
crianças
mulheres guerreiros
sonhos
quimeras
fumaças
entre
danças
de
corpos caídos
mutilados
passa
Dandara
uma
ave
uma
garça
um
grito
um
gato
sobe
o morro
invade
as matas
corre
Cadê
Katendê?
me dê
as ervas da cura
salgando
as entranhas
nas
brenhas das matas
Cadê
Quibanda?
quero
meu corpo fechado
dos
quebrantos do viver
nos
meus trapos
o meu
sangue
de
grilhões arrebatados
corre
Dandara
-
vai!
vira
árvore
vira
ave
voa
voa
Dandara, voa!
corta
o céu
vence
o abismo!
vira
bruma
cerração
zelação
elegia
lenda
elo
eco
que não mais
vai
se calar
que
não sabe sossegar
virou
rugido furação
estrondo
de mil trovões
enxurrada
em tempestade
alimento
na tormenta
queimadura
em
selva escura
desassossego
aflição
ébano
fel ferro
barro
imagem linhagem
do
instante guardiã
fogo
fátuo
de
memórias
latejantes
e sem mais fim
fantasia
que ilumina
fantasma
que nos inspira
luz
primeira
purgação
provação
e
redenção.
(*)
Poema extraído do livro Cantos da Terra, publicado pela editora
Ramalhete
em 2018
Obrigada Gláucia por compartilhar conosco belíssimo poema que retrata a labuta da heroína Dandara. bjs!
ResponderExcluirEssa é a Gláucia. Voando com as asas da liberdade e da inspiração. Parabéns!!!
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