quarta-feira, 27 de abril de 2016

haikais de Carlos Seabra

Carlos Seabra

Haicais das estações


o vento afaga
o cabelo das velas
que apaga
trigo dourado
pelas mão do vento
é penteado
folhas no quintal
dançam ao vento
com as roupas do varal
espiral de sol –
luz nas frestas da
escada em caracol
nuvem que passa,
o sol dorme um pouco –
a sombra descansa
chuva lá fora –
os pássaros, molhados,
foram embora
pinga torneira
tic tac do relógio
luz com poeira
areia quente
pés descalços
corrida para o mar
gota de chuva
escorre na parreira
pára na uva
língua pendente
cachorro com sede
sol ardente
canta bem-te-vi
sol por todo o lado
natureza sorri
serra nevada,
cumes tocam o céu –
nuvem furada
que flor é esta,
que perfuma assim
toda a floresta?
chão de caruma,
crepitar no pinheiral –
passos ou fogo?
sol na varanda –
sombras ao entardecer
brincam de ciranda
patins no gelo –
riscos que se cruzam
como novelo
espuma do mar
adensa o voo das
gaivotas no ar
Saci Pererê
fuma seu cachimbo
à sombra do ipê
cai o granizo:
rapaz, fique em casa,
tenha juízo
os raios de sol
iluminam de manhã
o velho farol
velho jornal
levado pelo vento
prevê temporal

Haicais da vida

no despenhadeiro
a sombra da pedra
cai primeiro
uma silhueta
recorta na noite
a velha preta
flor amarela,
no vaso, vê o mundo
pela janela
gota no vidro
um rosto na janela
olhar perdido
sol na janela
dorme gato no sofá
cor de flanela
grama nos trilhos
composições mudas
sem estribilhos
moinhos ao vento
Quixote e Dulcinéia
no pensamento
velho sapato
lembra das caminhadas
solto no mato
fera ferida
nunca desiste –
luta pela vida
terreno baldio
lixo revirado
gato vadio
olhos de gato
luz dos faróis na noite
pulo no mato
casa quieta –
cochila o avô e
dorme a neta
rochedo no mar
barco afundado
olhos a chorar
estrela do mar
abraça a areia
para a beijar
volta cometa –
serão as saudades
deste planeta?
pássaro tenor
afina a garganta
ao sol se pôr
pardal sozinho –
primeira aventura
fora do ninho
ave calada –
ninho em silêncio
na madrugada
as ondas beijam
os lábios da praia –
bocas do mar
cuco dá horas
mas não conta
por que demoras
cama macia
corpo se espreguiça
nasce o dia
velha na fonte –
os cântaros se enchem
o sol se esconde
caído, um corpo
acabado, um sonho
imóvel, um morto
um sapo azul,
inspirado em Bashô,
salta no paul…
era uma vez
um sapo que – beijado –
poeta se fez

Haicais humorísticos e satíricos

mulher aflita
telefone toca
cafeteira apita
susto na cama
almofada é monstro
em sonho drama
criado mudo
fica quieto
mas vê tudo
pardal no fio
ouve o telefone
mas não dá um pio
viagra azul
Lázaros levantados
de norte a sul
chora poeta –
musa obesa pensa
só em dieta
cubista musa
com os pés na cabeça –
obra confusa
harpa de Nero –
chamas queimam Roma e
dançam bolero
casa fantasma
cheia de habitantes
feitos de plasma
haicai sem kigô
é de quem bebe saquê
e pisa na fulô
louco desafio:
comer fubá e cantar
o sole mio!
sossego acaba –
chegou a pamonha
de Piracicaba
pinta no nariz –
era uma pulga que
fugiu por um triz
travesso gato
com saudade do dono
mija no sapato
festa no bordel
só começa ao chegar
o coronel
travou meu micro
todo dia Bill Gates
fica mais rico
gente sem terra,
corrupção, desemprego:
mundo em guerra
jornal aberto,
café, leite e sangue:
guerra de perto
dia de eleição
primeiro o seu voto
depois a traição
deu no jornal:
economia vai bem
o povo vai mal
crianças mortas –
mundo que escreve mal
por linhas tortas
lindo sorriso
imagem no espelho
seduz Narciso
micro na teia
navega na internet
grão de areia
ágil pivete
brinca como se fosse
zero zero sete
velha a fiar
e vem Humberto Mauro
para a filmar

Haicais eróticos e sensuais

brilha o grampo
ou ela tem no cabelo
um pirilampo?
nuvem parada
beijada pela brisa
fica molhada
sonho colorido
o sol dança com a lua
você comigo
copo de vinho,
um olhar e um toque:
te adivinho…
mãos que se tocam
olhos que se encontram
beijo na boca
vela acesa
testemunha olhares
sobre a mesa
letras no papel
trazem tuas palavras
com sabor de mel
abelha na flor
a brisa nas árvores
eu com teu sabor
flor na lapela
noite de serenata
à janela
brasa do tempo
acende quando passas
no pensamento
sabor cereja –
minha boca
a tua deseja
beijo roubado
é o butim do ladrão
apaixonado
homem e mulher
tudo pode ser
se você quiser
vento no bambu
sopra e geme prazer
assim como tu
ao te adorar
não sei mais se tens
corpo ou altar…
sexto sentido
gesto delicado
abre vestido
úmida gruta
desejo toma corpo
boca na fruta
que delícia –
um decote aberto
com malícia
frio ventoso
mamilo fura blusa
olho guloso
olhos felinos
e um corpo de mulher –
cuidado meninos!
dedo macio
doce siririca
fêmea no cio
duas na cama
sáfica descoberta
xana com xana
quarto escuro
silhuetas se amam
pecado puro
casal trocado
juntos pulam o muro
lado a lado
canta sabiá
canário e rouxinol
ménage a trois
misteriosa,
Mona Lisa só ri
depois que goza…
madura no ramo
vou colher a fruta
da mulher que amo

domingo, 24 de abril de 2016


O que sinto tem raízes profundas, 
o que escrevo é semi árido.
sou  caatingueira 
quiriquiri do cerrado ( Fátima Fonseca)


sexta-feira, 22 de abril de 2016

Gioconda


Fátima Fonseca
(La Gioconda)

preciso me inventar
em cada traço me procuro
quanto mais vago mais real fico
sou anjo?
sou homem?
sou mulher?
ou procuro o que não imagino
ou sou apenas um sonho que não foi sonhado?

dorme o enigma
dormem as palavras
uma alma amarga ou serena
por que viver oculta se existo?

Inquieta, Gioconda morava dentro de da vinci

nessa febre
nesse espanto de ser
nasce sob um novo signo

não importa de onde vens!
eu existo
tu existes
ninguém alcançará os céus do teu silêncio
ou pisará nas cinzas do seu chão
inútil sorrir!
inútil não sorrir!
  
penso: seria esse o monologo de Leonardo da Vinci?
o que importa mesmo é que Monalisa fascina não só a mim.


quarta-feira, 20 de abril de 2016



retorno a casa velha

silencio carrancudo
maquiado pelo abandono
formigas, cupins, aranhas
e outros habitantes invisíveis
que não contemplaram com meu olhar

o que fizeram com os livros amarelados  do meu avô?
e aquele violino  que ficava pendurado atrás da porta?
o fogão aceso
mulheres na lida preparando comidas
bules e xícaras descascadas pelo uso
cavalos arriados na porta
chapéus na chapeleira
gatos, cachorros
cadê as vozes? cadê tudo? cadê todo mundo?


na entrada da casa
no caminho que não recebe mais pegadas
entre espinhos e pedregulhos
umas florezinhas coloridas
da casa velha e do meu vazio 

                                                                    fatima fonseca


quinta-feira, 14 de abril de 2016

Edgar Allan Poe
Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como os outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar das fontes igual à deles;
e era outro o canto, que acordava
o coração de alegria
Tudo o que amei, amei sozinho.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Poemeto rural



 Abgar Renault
Amplo dia ardente de sertão.
Sol queimante de verão
fuzilando auriluzente,
em setas nos olhos da gente.
Toadas longínquas de trabalhadores no eito.
Gado engordando lentamente no pastinho estreito.
Gente engordando sonolentamente dentro de casa.
Sombras chatas de árvores estendidas no chão... Um ruflo célere de asa
riscando, às vezes, o ar parado. Silêncio longo. Soledade.
Monotonia do sertão... Monotonia da felicidade...

quinta-feira, 7 de abril de 2016

tenho raízes no cerrado
que regam meus sentidos
aos versos e reversos
desse lírico ensejo de viver

 Fatima Fonseca

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Fátima Fonseca
em um abril qualquer
depois de muito tempo
tudo era muito diferente
e comigo ninguém pode
ainda não sabia falar de flores.

segunda-feira, 4 de abril de 2016


Fátima Fonseca
há no meu peito um alvará de soltura
querendo fazer brevidade da vida o infinito
enquanto isso
ainda espero um tempo pontual
para desabrochar
assim como as onze horas

Ana Martins Marques
Dizem que Cézanne
quando certa vez pintou um quadro
deixando inacabada parte de uma maçã
pintou apenas a parte da maçã
que compreendia.
É por isso
meu amor
que eu dedico a você
este poema
em branco.