sábado, 31 de maio de 2014


Yeda Prates
Noite no jasmineiro
Sobre o muro,
estrelas perfumadas

À BEIRA DO OUTONO

Yeda prates

Um rio corta ao meio
o outono de folha esvaída
onde outra luz descansa
entardecida.

Ali me reconheço
entre primavera e inverno
dividida
e sei que anoiteço.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

VIANDANTE

Yeda Prates Bernis

A palavra saudade treme de frio,
quando a escrevo.

Quando chegaste, São Pedro suspeitou:
já conheço esta luz!

Aqui eras homem e terra.
Agora és estrela e longe.

Atravessaste o mistério.
E, por amor, te desvendo nele.

Com mãos de brisa arredaste nuvens que
protegiam o desconhecido.

De tuas mãos, quando desceste, exalava chuva de luz.
Só estrelas alumiavam a hora sombria.

Não esperaste pelo nascer das rosas, tão adivinhadas.
Vou te levar o perfume delas.

Teus pés ficaram surpresos ao caminhares
sobre tantas estrelas?

Invejando o vôo da andorinha, em tua viagem,
venceste tempo e dor.

No silêncio manso deste poente, de minhas mãos
faço berço para ninar a tristeza.

Meus olhos te perderam.
E como te vejo!

Quando varrerem estrelas, pede para jogá-las
sobre nosso telhado.

Abre a janela desse palácio azul.
Procuro ver teu rosto sorrindo.

Só depois que foste, componho meu tempo
em pauta de violoncelo e réquiem.

Teus óculos, sobre a mesa de trabalho, me espiam.
Vêem também o meu vazio?

Teus sapatos conheceram Tóquio, Istambul, Buenos Aires.
Repousam agora num canto do armário:
pesariam demais para tua última viagem.

Ofereci tua camisa do América a um torcedor fanático.
Ela vai acrescentar, em seu peito,
a tua paixão ingênua pelo clube.

O canarinho deixou de cantar: morreu em tuas mãos.
Sofreste longamente.
Escutarás seu canto
na gaiola sem portas do para sempre.

Descobri tua foto dando o chute inicial em jogo de futebol.
Agora, marcaste o maior gol
entre as traves estreitas do céu.

Digoxina, Slow K, Captopril e Marcoumar restam na gaveta.
Por teu amor à pobreza,
hão de melhorar corações indigentes.

Com Churchill conversas sobre tua admiração por ele.
Com Milton Campos, falas de justiça.
Com Chico Xavier, indagas da espiritualidade.
A propósito: já terás dado um abraço em Jesus?

Levaste contigo bagagens e mais bagagens de generosidade.
Tantas, que muitas rolavam por onde passaste.

Guerra, luto, violência, corrupção, injustiça:
estás a salvo da tragédia humana.

Um tsunami passou
e meus olhos estão rochas de cristais.

Apreciavas tanto o queijo mineiro, que deves ter cortado
uma fatia da Lua, no caminho.

O céu será como abacate, limão e açúcar,
de que tanto gostavas?

Nos pomares do céu, serão as laranjas
mais doces?

Bacalhoada, moqueca de peixe, massas italianas
- tantos pratos - e a mesa vazia!

Colei um trevo de quatro folhas em tua carteira
de identidade.
Permanecerás com teu passaporte válido para a felicidade.

A ausência de tua voz é mensagem que recebo
de momentos indizíveis.

Levaste para o território da luz
minhas todas auroras.

Teu coração continua batento forte: no porta-retrato.

Teu silêncio acorda em mim palavras antigas.

Pendurei teu sorriso em minha memória
como estandarte.

Do embornal do cotidiano retiro, a todo instante,
lascas de saudade de ti.

O rumor de teus passos pisa meu coração.

Tua caneta, ainda morna de tuas mãos,
aguarda tua assinatura.
Em vão.

Teu perfume no travesseiro beija meu rosto molhado.

Conquistaste tantas e muitas pontes.
A última, as cores do arco-íris.

Com as cartas do baralho, sobre a trama dos dias,
venceste com Às de Ouro.

Tanto o vazio preenche a vida que, sem ti, só ausência
transborda em mim.

À BEIRA DO OUTONO

Yeda Prates Bernis
Um rio corta ao meio
o outono de folha esvaída
onde outra luz descansa
entardecida.

Ali me reconheço
entre primavera e inverno
dividida
e sei que anoiteço.
Um rio corta ao meio
o outono de folha esvaída
onde outra luz descansa
entardecida.

Ali me reconheço
entre primavera e inverno
dividida
e sei que anoiteço.

Me ensina a escrever

Oswaldo Montenegro
Meu amor
Me ensina a escrever
A folha em branco me assusta
Eu quero inventar dicionários
Palavras que possam tecer
A rede em que você descansa
E os sonhos que você tiver

Meu amor
Me ensina a fazer
Uma canção falando quanto custa
Trancar aqui dentro as palavras
Calando e querendo dizer
Não sei se o poema é bonito
Mas sei que preciso escrever

Meu amor
Me ensina a escrever
A folha em branco me assusta
Eu quero inventar dicionários
Palavras que possam tecer
A rede em que você descansa
E os sonhos que você tiver

terça-feira, 27 de maio de 2014

Charles Chaplin
A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.

domingo, 25 de maio de 2014

SERENA


Henriqueta Lisboa

Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.

E só assim, na levi-
tação da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria.
"As pessoas iluminadas têm mais inimigos do que as não iluminadas, pois os cegos não perdoam quem enxerga e os ignorantes não perdoam quem sabe. Ser amigável, amoroso, autêntico, inocente sem causa é suficiente para disparar muitos egos contra si."
[OSHO]

quinta-feira, 22 de maio de 2014

SONETOS DE AMOR

Pablo Neruda
Talvez não ser é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando o meio-dia
como uma flor azul, sem que caminhes
mais tarde pela névoa e os ladrilhos,
sem essa luz que levas na mão
que talvez outros não verão dourada,
que talvez ninguém soube que crescia
como a origem rubra da rosa,
sem que sejas, enfim, sem que viesses
brusca, incitante, conhecer minha vida,
aragem de roseira, trigo do vento,
e desde então sou porque tu és,
e desde então és, sou e somos
e por amor serei, serás, seremos.

perdoe se me joguei demais em você
é que eu sou assim
intensa  escorrendo emoçoes feito enchurrada

segunda-feira, 19 de maio de 2014

TEMPO DE PARTIDA

Henrique Chaudon

Esparsos pelo vento
os dias, horas, pensamentos.
É tempo, eu sei, há muito, de partida.
Ir pelos jardins de sol e chuva
em procura paciente, silenciosa busca
entre musgo e saibro, espinho e flor.

Pois quem sabe o pó da estrada
nas sandálias gastas e feridas
não pede ao pão mais do que trigo
nem à paisagem alheia senão paz.

Porque é tempo, há muito, de partida
e nas pousadas dormem insensatos homens,
irei só, e já.
O vento que passou levando a vida,
a vida deixa esparsa no caminho.
Por isso eu vou.

E porque é tempo, há muito, de partida.

quinta-feira, 15 de maio de 2014


Fátima fonseca
meu cordão umbilical
foi enterrado nas sombras de um jardim
eis que nasce uma roseira retorcida
torta de tanto  inclinar para a luz

Escre ver-me

Mia Couto
Nunca escrevi
sou
apenas um tradutor de silêncios
a vida
tatuou-me os olhos
janelas
em que me escrevo e apago


terça-feira, 13 de maio de 2014

POEMA QUIETO

Flora Figueiredo
Deixe que o silêncio discorra por nós
e ache as respostas.
Que nos beije o peito,
que nos coce as costas
e nos dê o direito de calar o tempo.
Deixe que ele cubra o momento
e se distenda leve
como um lençol de renda;
que seja arguto o bastante
para impedir o instante de ser breve,
Deixe que o silêncio nos proteja.
Pra que ninguém escute,
nada se revele
e possamos trocar as nossas peles
sem que a censura veja.

domingo, 11 de maio de 2014

LUA ADVERSA


Cecília Meireles
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

sexta-feira, 9 de maio de 2014

LÍRICA SERENATA


  Sebastião Aimone Braga

       Lua morta lá no alto. Em esmaecido amarelo, o astro sugere formas, adivinha fantasias, abre clareiras na paisagem. Fugitivo séquito de nuvens e brilhos rodeia a rainha e ela estende seu manto de luz sobre o mundo da aldeia e suas dores.

       Baixa o ouro fusco. Acende ânimos e sonhos no escuro das ruas tortas. Escreve caminhos nas sombras da vila antiga. Séculos de sono dos seus moradores. Cansados, nos seus leitos, bordam memórias do dia.

       Igrejinha no centro da praça cresce com sua torre alta, inspira anjos, namorados e poetas. Pairam buscando ecos e ritmos.

       Silêncio quebrado por melodia e chamado, toada. Cada corda da viola reverbera discretas janelas e almas. O trovador arma a lira, suspira em cores sensíveis, acordes e metáforas. Cantos e esquinas, cantigas ao enlevo de poucos.

       Tua porta range devagar e solene. Rende-se ao desejo em rendas e rimas a macia carne branca da lua. Braços e corpos, movimento das marés. Até o repouso suave nas dunas de algodão.


                                               

quinta-feira, 8 de maio de 2014

palavras

 Eugênio de Andrade
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Credo

Elisa Lucinda
De tal modo é,
que eu jamais negá-lo poderia:
sou agarrada na saia da poesia!
Para dar um passeio que seja,
uma viagem de carro avião ou trem,
à montanha, à praia, ao campo,
uma ida a um consultório
com qualquer possibilidade, ínfima que seja, de espera,
passo logo a mão nela pra sair.
É um Quintana, uma Adélia, uma Cecília, um Pessoa
ou qualquer outro a quem eu ame me unir.
Porque sou humano e creio no divino da palavra,
pra mim é um oráculo a poesia!
É meu tarô, meu baralho, meu tricot,
meu i ching, meu dicionário, meu cristal clarividente, meus búzios,
meu copo d'água, meu conselho, meu colo de avô,
a explicação ambulante para tudo o que pulsa e arde.
A poesia é síntese filosófica, fonte de sabedoria, e bíblia dos que,
como eu, crêem na eternidade do verbo,
na ressurreição da tarde
e na vida bela.
Amém!



terça-feira, 6 de maio de 2014

SONHO, FANTASIA...


Edna Lopes

Meu sonho
Mais recorrente
São as promessas
Que li
Em teu olhar

Minha fantasia mais
Intensa
É tua voz
Sussurrando em meu ouvido.

Amo-te nas entrelinhas
Do cotidiano.

segunda-feira, 5 de maio de 2014


Fátima Fonseca
 lua
a lua me fascina
e me divide em várias mulheres
às vezes sozinha no espaço escuro
ou acompanhada de estrelas que sabem brilhar
pequena, aprendendo esperar
minguante, recolhida para refletir
cheia, pulsando para iluminar
necessário ser multipla
em que mudança é preciso
para a vida continuar.


quinta-feira, 1 de maio de 2014

Tu eras...


Pablo Neruda
Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

A CAIXA DO QUARTO DE DENTRO


crônica de Sebastião Braga

     De todos os cômodos da casa da minha infância, o quarto de dentro era o mais escondido e, hoje, o mais lembrado. Estreito, duas canastras sobrepostas embaixo da pequena janela, caixote pintado de azul com colchões de palha enrolados junto à porta, estante com livros, revistas e jornais velhos. A capa Ideal do pai atrás da porta, imponente, para os dias de frio e de chuva. No fundo, uma caixa grande, madeira clara, onde eram guardados todos os dias os travesseiros, colchas de dado, cobertores. Em meio às cobertas, relíquia da família: conjunto de louça com jarra, bacia, saboneteira, cuspideira e estojo para os pentes. Herança da bisavó, Mariana. Seu marido, Teóphilo, tinha comprado de mascates vindos do Rio de Janeiro. Além disso, mamãe escondia restos de peças de pano que tirava da venda, bem no fundo, enxoval para as filhas.
     A caixa, alta e de linhas retas, ainda servia de cama para dois ou mais, colchão de palha estendido em cima, quando família reunida ou eventuais visitas. Servia também para todos pularem em cima na algazarra, as meninas brincarem de casinha, longe dos pais e da avó. Leitura para alguns, sem serem incomodados. O quarto também era lugar para se esconder do serviço. Ninguém se lembrava de entrar lá, último lugar a procurar alguém. À noite, poucos entravam, com medo. Era o quarto de dentro, dos fundos, das histórias.
     O quarto também era usado para fazer as necessidades, no urinol, sem incômodos. Principalmente os menores, ou nos dias de chuva, quando ir à casinha de madeira sobre o córrego tornava-se aventura escorregadia. Alguns arredavam as tábuas velhas do assoalho e mijavam. A avó nunca conseguia identificar o peralta, xingava a todos, mandava jogar terra pra tirar o cheiro.
     Uma vez, as pessoas da casa disseram ter ouvido barulho de algo alisando debaixo das tábuas do quarto. Mamãe jogou canecos de água quente pelas gretas, até que viram sair cobra grande e grossa do buraco do porão.
          Vovó contava que uma vez hospedou mulher, perdera a condução para a cidade. Ficou no quarto de dentro. À noite, ouvira barulho estranho no quarto, foi averiguar. Viu fogo sobre a caixa e o colchão. Fechou a porta, assustada. Pela manhã, a mulher tomou café normalmente. Quando ela se foi, vovó contou a história da Mula sem Cabeça, que precisava passar por sete encruzilhadas para voltar ao normal. Esta e outras histórias de assombração povoavam nosso mundo infantil, alimentado ainda pelos livros lidos sobre a grande caixa de dia e pelas sombras bruxuleantes das lamparinas à noite.
          Mas, hoje, o que mais vem à lembrança não surge do sobrenatural. O pai ia para a venda, porta que separava os dois mundos. Mãe e avó multiplicavam-se nos afazeres, muitos filhos, mandavam os maiores cuidarem das crianças, varrerem a casa e o terreiro, tratarem das galinhas e dos porcos, a horta, limpeza de tudo. Estendidas as camas, dobradas as cobertas, os irmãos menores iam guardar travesseiros e colchas na caixa grande. O irmão mais velho se aproximava sorrateiro e empurrava as vítimas pra dentro da caixa, que era fechada com a alta e pesada tampa. Caíam de cabeça para baixo lá dentro, no escuro, em meio a tanta coisa, não conseguiam se aprumar, sufocadas. Gritavam por socorro, em desespero, mas os gritos saíam abafados. Ninguém se lembrava do quarto de dentro. O algoz ainda ameaçava: a cuíca vai te pegar! Apavoradas, as crianças lembravam-se da corrida dos ratos no forro de esteira. A cabeça povoava-se de monstros, morreriam ali, sozinhas.
      Até que a mãe ou a avó se surpreendiam com o silêncio da casa, davam falta das crianças e iam procurá-las quarto a quarto. De repente, ouviam vozes distantes, levantavam a pesada tampa da caixa, davam com os pequenos, chorosos. A história sempre terminava com castigo no corredor. E ai de quem passasse por ali; levava socos e pontapés. Saía chorando de novo atrás da mãe.
     A história se repetia mais tarde, com outros irmãos e o gesto maldoso, divertindo-se com o medo dos menores. Círculos e travessuras.
     A caixa do quarto de dentro representou na infância o mito invertido da Caixa de Pandora. O terror e os males do mundo moravam lá dentro, quando fechada, chegavam por mãos humanas. Sua catarse viria mais tarde, todos já maiores. Era o lugar preferido nas brincadeiras de esconde-esconde. Às vezes, mais de uma criança ali ficava, divertida. Medo e encantamento. Recordações que ficam.
                                                                             
 Sebastião Aimone Braga
                                                                       
    


escrever...

Cida Garcia

Eu penso pra escrever, só que é um pensar desamarrado, sem eira nem beira, embatumado como broa de milho encroada, um desassossego, um desejo requentado, uma comida de marmita, uma saudade de um amor que não foi.
Não sirvo de exemplo, nem sirvo de lição para ninguém. Às vezes até tento, mas logo apago a lousa e me cubro do giz desperdiçado, sem dó nem piedade.



Possibilidades

Cida Garcia

Assim a fada falou:
- Menina, podes ser doce
vento na folhagem
nuvem de outono
cadeira de balanço
repouso do guerreiro
açúcar de pudim
cereja de bolo.

Te será permitido também
virar calendário de oficina
surfistinha de aluguel
freira erótica em convento
expert em dança do ventre
operária guerrilheira
até dona de bordel.

Inda é pouco?
Então escolhe
ser mulher de traficante
ou santa canonizada
Madre Tereza do morro
rainha de bateria
musa de trovador
jornalista, cientista,
motorista, vigarista...

- Mãe, acorda.
Cadê o almoço?