segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

ao escritor Paul Celan


                                 Fátima Fonseca
na brandura plácida do rio Sena
dorme uma gota d'água
e na gota em forma de útero
uma flor
sobre ela o espírito
do eterno escritor Celan.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Tudo passa

                                     Fátima Fonseca

Com o tempo
foi morrendo o anel
que perdeu o interesse
de enfeitar o dedo.

Com o tempo
a flor foi murchando
virou fruta.

A fruta amadureceu.

Com o tempo
a fruta foi passando do ponto
apodreceu.
sem alarde caiu do cacho
quando morreu
já havia morrido.

sábado, 20 de janeiro de 2018

Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias do mundo e as suas... Manoel de Barros.
Senhor, que não me falte poesia para eu beber! FFonseca
                                                     Fátima Fonseca
De repente,
me sinto como se estivesse
numa rua sem saída.

Fiquei antiga,
pequena.

A vida vem silenciando
de ausências e distâncias.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

saudade dos meus avós



                                                    Fátima Fonseca
Em mim, ainda vivem os meus avós falecidos, como se a eternidade  existisse, como se a morte não interrompesse o fôlego. Eu devia ter amado mais. Eu devia ter interessado mais por suas histórias. Quantas perguntas deixei de fazer. Quero falar também dos afagos deitados no peito que sobrevivem dessas lembranças  e dessa criança viva alimentando de amor. 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Belo Horizonte

                                               
                                                            Fabrício Carpinejar

Mineiro gosta de vento. O vento em Belo Horizonte é pássaro sem gaiola, é ave solta.
Mineiro continua acreditando na janela aberta, na brisa do entardecer, que o clima vai refrescar de noite. Não é fã de ar-condicionado. O vento deve estar livre para surpreender as pálpebras, jamais enjaulado em um controle remoto.
Mineiro respeita a chuva, para lavar as mágoas e levar as tristezas embora.
Mineiro gosta de beber, bem mais que o carioca, porque não precisa de praia para ter motivo.
Mineiro gosta de morro, pois a ladeira treina o suspiro. E subindo ele encontra as melhores paisagens.
Todo mineiro, no alto de um prédio, procura a sua casa. E aponta com o orgulho para os filhos: é lá que moramos.
Mineiro gosta de juntar doce com salgado, queijo com goiabada, para se deliciar com os contrastes.
Mineiro gosta de trem, a ponto de construir ferrovias na fala. Não acaba uma conversa, desembarca de uma conversa.
Mineiro gosta da loucura do futebol. Comemora o título duas vezes: uma em nome de seu clube e outra para debochar do adversário.
Mineiro gosta de família. A família não tem fim. Até hoje não conheci a família inteira de minha esposa. Sempre aparece alguém novo nas festas – um primo, um tio, uma tia.
Mineiro gosta de quem cumprimenta olhando nos olhos. As palavras têm queixo erguido e honra.
Mineiro gosta de agradar com comida. Sempre leva um lanche para repartir com os colegas no emprego – um bolo, pãozinho caseiro, um doce de mãe.
Mineiro gosta de sobremesa, para recomeçar o almoço.
Mineiro gosta de expressões compridas, para estalar a língua no céu da boca.
Mineiro gosta de namorar. Quando o casamento dá certo, ele chama de namoro. Quando o casamento dá errado, ele chama de casamento mesmo.
Mineiro gosta de dizer tudo joia, vive brilhando os olhos em sua joalheria de lembranças.
Mineiro gosta da benção de pessoas mais velhas.
Mineiro gosta de trânsito, de ver as pessoas passando das janelas dos carros e das varandas dos prédios.
Mineiro gosta de praças, e praças que tenham o coração de um coreto.
Mineiro gosta de atravessar o silêncio estranho das avenidas, no retorno das festas.
Mineiro gosta de tirar os sapatos para longe quando chega em casa – os sapatos são cachorros dormindo debaixo dos móveis.
Mineiro gosta de emendar programas, juntar saídas, prolongar passeios, para criar saudade do lar.
Mineiro gosta de comemorar aniversário por vários dias. Se é para envelhecer, que seja com vontade.
Mineiro gosta de velório, para elogiar os seus mortos e recomendá-los aos anjos.
Mineiro gosta de batizado, para reclamar que foi muito longo.
Mineiro gosta de trabalho, para passar adiante um telefone fixo aos amigos. Ele ainda conserva o orgulho do cartão de visita.
Mineiro gosta de piadas inspiradas em fatos reais.
Mineiro gosta de fazer o caminho mais longo para provar que não é preguiçoso. Vai devagar pelo prazer da estrada.
Mineiro gosta de acordar cedo no fim de semana, só para contrariar as normas.
Mineiro gosta de sorvete para a língua disputar corrida com o sol.
Mineiro gosta de torresmo, para testar os dentes.
Mineiro gosta de cafezinho passado na hora, para se sentir visita.
Mineiro gosta de se explicar direitinho, nunca é direto.
Mineiro gosta de filmes sem legendas, nada de ironias, sarcasmo, ambiguidades. É ou não é.
Mineiro gosta do choro de uma viola, para homenagear os galos dos quintais da infância.
Mineiro gosta de ir a reunião de condomínio, só para ninguém fazer fofoca dele.
Mineiro gosta de santos, para não sobrecarregar Deus e socializar os pequenos milagres.
Só um mineiro para entender o quanto a capital Belo Horizonte é o interior de Minas.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Escutar o silêncio



                                                   Neuza Lima



O silêncio da alma que não se acalma

Na dúvida de sua existência;

O silencio do peito que se aflige

No pulsar forte coração e sôfrego respirar do pulmão;

O silencio da mente que enlouquece e desentende a razão;

O silencio do corpo que enfraquece perde o desejo a compulsão;

O silencio da vida que emudece não retorna convicção;

O silencio da morte que se anuncia sem escrúpulo nem reverência.





Flor do deserto



                                                     Neuza Lima

 Deitei raízes profundas

Acordei lençóis adormecidos

Ressuscitei Oasis,

Só para vê-la brotar.

Agora és flor, desabrochastes,

Estás em trégua no Oásis do teu ser.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Poema oração



                                     Roseana Murray

A todos os ventos
eu peço coragem.
A cada estrela e estrada
Ao mar que não morre nunca
eu peço coragem.

E ao sol e à lua
E a todo o firmamento.
A cada pássaro
A cada pedra
A cada bicho da terra e do ar.

Peço coragem a tudo o que vive agora
E ainda viverá
Coragem para cavalgar os dias
Navegar nas horas
E a cada minuto e segundo, sonhar.
"Neste mundo pesado, benditas sejam as pessoas leves"