segunda-feira, 27 de abril de 2015

'Eu sou uma mulher sem nenhum mel
eu não tenho um colírio nem um chá
tento a rosa de seda sobre o muro
minha raiz comendo esterco e chão.
Quero a macia flor desabrochada
irado polvo cego é meu carinho.
Eu quero ser chamada rosa e flor
eu vou gerar um cacto sem espinho.'
Adélia Prado

domingo, 26 de abril de 2015

O DIA DE ANGELO - FREI BETO

O DIA DE ANGELO   - FREI BETO
Deixe sua vocação literária explodir no impulso de vida que corre em tuas veias. Não tenhas a pretensão de escrever melhor que outros. Basta-te a certeza de que ninguém pode escrever igual a ti. O estilo é o rosto do autor, e não há dois iguais. Escreve com a pele, não com a cabeça. Entrega-te à tua obra com paixão, ainda que ela te consuma e resulte na sua condenação à morte.
Há um tempo para cada coisa, diz o Eclesiastes. Nas letras, há um tempo para ler e um tempo para ruminar o que se leu; há um tempo para engravidar de uma situação, ideia, imagem ou história, e um tempo para leva-las ao papel em sinais gráficos. Não vazes o teu talento em ansiedade. Dedica-te pacientemente ao trabalho e tem coragem de soltar as feras, anjos, legiões de demônios e fantasmas que povoam cavernas e vulcões de tua topografia interior. A alma é mais geográfica que histórica. Tem acidentes, relevos vales e montanhas; está sujeita a secas e tempestades, varia de estações e climas. Ninguém embarcaria se antes considerasse os perigos do mar. Toda travessia exige confiança no risco.

Escreve-se assim: toma-se um punhado de palavras que escorrem céleres por veias, artérias, músculos e mãos, derramando-se entre os dedos; esparrama-as sobre folhas secas brancas, dispondo-as ordenadamente, de forma que traduzam ideias, sentimentos, emoções, recordações, visões e propósitos. Respeite a respiração das palavras, isso que a gramática chama de pontuação. Deixe que elas descansem ao fim de um conceito, recobrem forças antes de iniciar nova frase, estejam cadenciadas por vírgulas e pontos nas orações. Não exija delas fôlego maior do que possuem e saiba que encerram curioso mistério, pois as mesmas palavras que servem para registrar o mais insípido documento de cartório prestam-se igualmente para compor as mais belas obras literárias. Elas formulam sentenças de morte e esperança de vida, bulas de veneno e declarações de amor, anúncios de guerra e tratados de paz. E, quando lapidadas pela sensibilidade e pela intuição, delas brotam poesias, tropeis ritmados sobre nuvens. Servem inclusive à própria loucura. Nesse caso, dizem coisas que nem mesmo o raciocínio consegue conter e que extrapolam as leis da grafia e da sintaxe, pois refletem essa irreprimível necessidade de exprimir o imponderável, de escrever o absurdo, de revelar o absoluto.     (p. 57 – 2ª. Ed. Brasiliense)
cactos florespados
exibem força e enigma
sob o luar do cerrado.
                             Fátima Fonseca

sábado, 25 de abril de 2015

Ó Deus,
não me castigue se falo
minha vida foi tão bonita!
Somos humanos,
nossos verbos tem tempos,
não são como o Vosso,
eterno.
Mulher ao cair da tarde -Adélia Prado
Hoje 
a minha sede de infinito 
é maior do que eu, 
do que o mundo, 
do que tudo, 
e o meu espiritualismo ultrapassa o céu.
Flor Bela espanca.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

 "Raros olham para dentro,
                    já que dentro não tem nada.
                    Apenas um peso imenso,
                    a alma, esse conto de fada."
                                       ( Paulo Leminski,
                                          fragmento de Rumo ao Sumo )

terça-feira, 21 de abril de 2015

Estou assustada não tenho mais tempo a perder. A vida é breve. Muito breve, Muitíssimo breve.

Fátima Fonseca

Tempo, 

Seria possível me devolver os anos  que perdi escorregando entre o meu ego e meu ambiente?

Seria possível me devolver os anos que passei ajuntando objetos tolos?

Seria possível me devolver os anos  que corri atrás do amor para tapar buracos de desamparo?

Seria possível me devolver os anos que passei dando importância a opinião dos outros?

Seria possível me devolver os anos que passei olhando para o passado?

Seria possível me devolver os anos que perdi com hen... hen... hens?  remoendo bobagens?

Por favor me responda, mas fale pessoalmente comigo, não mande mensagens, não quero perder mais anos manipulando aparelhos  e olhando para baixo, olhando para as minhas mãos.
“De todos os diagnósticos, a normalidade é o mais grave, porque ela é sem esperança”. Jacques Lacan (1901-1981).

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade.

Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.

Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo. Freud
'Tinha vantagens não saber do inconsciente,vinha tudo de fora,maus pensamentos,tentações,desejos.Contudo, ficar sabendo foi melhor,estou mais densa,tenho âncora,paro em pé por mais tempo.De vez em quando ainda fico oca,o corpo hostil e Deus bravo.Passa logo.Como um pato sabe nadar sem saber,sei sabendo que, se for preciso,na hora H nado com desenvoltura.Guardo sabedorias no almoxarifado.'
Adélia Prado

domingo, 19 de abril de 2015

“um poema me começa
e invade minha saudade inventada.
tenho um sonâmbulo amor
e as costelas lúcidas da madrugada.
- sei que isso já foi escrito em algum lugar-
sou plagiadora desde nascença.
imito paraísos e tonturas.
tenho correspondências não lidas
que ocupam toda a mesa de jantar.
-ando preferindo ser horizontal e mística.
encerro esperanças na vodka
e minha sede se derrama pela noite.
cem estilhaços me dão a mão,
e no verão,
tenho contrações
devido ao número excessivo de verbos.

qual a palavra/gesto que costura
um abcesso?

observações pertinentes a esse plágio:
não possuo óculos escuros
e  antes de sair de casa,
esqueço de tirar os soluços do bolso.”Alice Boaventura 

mulheres do vilarejo

Fátima Fonseca
cozinhar, lavar, quarar, alinhavar
entre um retalho e outro
Mariquinha de Virgílio,
Nãna de Kinkas,
Ana de Bino,
Juju de Chico,
Bia de Dó,
Santinha do pau oco,
Maria vai com as outras,
Marias sem vergonha, espalhavam rosas e brancas 
pelos ângulos dos quintais,
pontas das esquinas,
fendas  das paredes,
nos rasgões áridos, quadrados, pontiagudos, obtusos
qualquer lugar vira beira e florir era a única queixa das Marias.


quinta-feira, 16 de abril de 2015

Escreve, se puderes, coisas que sejam tão improváveis como um sonho, tão absurdas como a lua-de-mel de um gafanhoto e tão verdadeiras como o simples coração de uma criança.
Ernest Hemingway
Não compreendo. ... Apenas/ Tento/ (Suor, subida, cascalho/ Seca)/ Somar teu corpo/ A meu pensamento.Hilda Hilst


Diamantina
não é fotografia
e nem dói.
É uma ingresia
de saudade
pulsando fina
e, às vezes, rói.
É um garimpo
nestes veios
que carrego
como minas.
Como Minas
me remói!


Um povoado ao luar
é o estado poético
da geometria
ou vã tentativa
de organizar
a poesia?


O sol põe o olho
entre os montes: um vermelho
e belo horizonte.


Meu desejo
agora:
não ter nenhum desejo
ou antes
ter a gula
de um cantar de galo
fora de hora
só pelo gosto
de despertar
neste peito gasto
alguma aurora.


Se eu me chamasse Raimundo
o mundo
seria meu eco?


Céu anil barroco.
Sobre nuvens d'ouro puro
santa de pau oco.

Colcha de telhados
entre montanhas. A vila,
talvez um bordado...

                                       
                               Ângela Leite de Souza

quarta-feira, 15 de abril de 2015

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar." Eduardo Galeano

terça-feira, 14 de abril de 2015

FRUSTRAÇÃO
Miguel Torga
Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.
Perdi o trem
e o medo
de perder.

Perdi o trem
e o medo
de perder
trens.

Perdi o trem
e o medo
de te perder.

Perdi o trem
e o medo
de te perder,
trem!

Perdi o trem
de medo
de te perder.

                           Ângela Leite de Souza,

sábado, 11 de abril de 2015

Marcas

Cida Garcia
 Marcas

Mas  sou  ainda  desejável
e  quem  me  amar
tem  de  me  amar
com  as  marcas
cravadas  pela  vida.

Longe  de  escondê-las,
vou  mostrá-las,
mesmo  com  recato.

Não  são  chagas  nojentas
nem  cascas  purulentas
de  que  se  deva  fugir.
São  galardões
e  enfeitam  meu  corpo,
medalhas  de  guerra
conquistadas  por  mérito.

Enfeitam  minh'alma
e  aclaram  o  crepúsculo
com  tanta  força!
Como  desprezá-las?

(8/julho/2010)

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Para aliviar a dor
Deus me deu um par de asas:
lápis e papel
e o gosto por esvaziar. Fátima Fonseca
                                                                             

Mulher

 Cora Coralina
Eu sou aquela mulher
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
recomeçar na derrota,
renunciar a palavras
e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos
e ser otimista.
Creio na força imanente
que vai gerando a família humana,
numa corrente luminosa
de fraternidade universal.
Creio na solidariedade humana,
na superação dos erros
e angústias do presente.
Aprendi que mais vale lutar
do que recolher tudo fácil.
Antes acreditar do que duvidar.