quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Cuidado

Renata Fagundes
Quero plantar flores nos caminhos por onde passar
construir pontes pra você cruzar
derrubar muros para que possa atravessar
pintar o céu de estrelas pra te iluminar
renovar sua esperança quando você desanimar
estar presente em dias de festa pra comemorar
mas, principalmente em dias de pranto pra te abraçar
quero dias de sol pra passear e de chuva pra gente brincar
quero parceria, sintonia, melodia, poesia
quero sua alegria (sorrisão) assim que acordar
colo pra te ninar
anjo pra te guardar.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

penso...


Jorge Luis Borges 
Penso que as Palavras essenciais que me expressam se encontram nessas folhas que nem sabem quem sou.

há um pássaro azul no meu coração que quer sair


Charles Bukowski
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Se


Apparecida Mattos Garcia

Se os vaga-lumes escorressem das estrelas, as matas seriam céus pisca-piscando, a desvendar e encobrir o namoro dos duendes.

Se alguém pudesse ordenhar a Via Láctea e amamentar todos os carneirinhos que os viventes contam na hora de dormir, talvez houvesse mais sonhos de esperança na noite de quem não tem para onde ir.

Se ainda houver desejo e fé quando todos os "quando" se esgotarem, muitas histórias nascidas nas Faixas de Gaza desse mundo poderão transformar casais de opostos em encontros de ímãs.

Se amar fosse verbo intransitivo, adeus cornos e mal-amados, Madalenas e Otelos, dor de cotovelo e sedução. Sem complemento, amar evitaria tanta dor de cabeça!


SERENA


Henriqueta Lisboa
Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.

E só assim, na levi-
tação da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Sobrevivente


Jmal
Atualmente navego pelo meu lado agitado,
Permitindo meu sentido revolto,
Onde tudo é tempestade indomável,
Que jamais pondera,
Anteparando os perigos alucinados pelos ensejos,
Como forma única de vida e sobrevivência...

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014


Martha Medeiros
Sou uma mulher madura
Que às vezes anda de balanço
Sou uma criança insegura
Que às vezes usa salto alto
Sou uma mulher que balança
Sou uma criança que atura

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Todos os Dias


Saul Dias
Todos os dias
nascem pequeninas nuvens,
róseas umas,
aniladas outras,
nacaradas espumas...

Todos os dias
nascem rosas,
também róseas
ou cor de chá, de veludo...

Todos os dias
nascem violetas,
as eleitas
dos pobres corações...

Todos os dias
nascem risos, canções...

Todos os dias
os pássaros acordam
nos seus ninhos de lãs...

Todos os dias
nascem novos dias,
nascem novas manhãs...

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Sou água


Renata Fagundes
Há dias vivo em estado líquido

Transbordando por tudo

Desaguando em palavras

Derramando em lágrimas

Escorrendo em sua boca

Encharcando seu corpo

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O amor no éter


Adélia Prado
Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam:como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.

...equilibro-me como posso...


 Clarice Lispector

Não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus. É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Amor


Carlos Drummond Andrade

"O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um - amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.

"Amor" - eu disse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou ao fim.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Eu sou...

Cora Coralina
Eu sou aquela mulher
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
recomeçar na derrota,
renunciar a palavras
e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos
e ser otimista.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

CARUNCHO


Mauricio de Macedo

Algo se desfazia
entre mim e você
feito a madeira da ponte
que apodrece.

De mim para você,
de você para mim,
a desconfiança se infiltrava
na palavra
feito caruncho no lenho.

Perigoso querer atravessar
a ponte agora.

Mauricio de Macedo, médico-auditor e professor universitário, nasceu em Maceió, Alagoas, em 1954.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O CASACO


                  Manoel de Barros
Um homem estava anoitecido.
Se sentia por dentro um trapo social.
Igual se, por fora, usasse um casaco rasgado
e sujo.
Tentou sair da angústia
Isto ser:
Ele queria jogar o casaco rasgado e sujo no
lixo.
Ele queria amanhecer.
               
         

O DIA INACABADO


Ledo Ivo
Como todos os homens, sou inacabado.
Jamais termino de ser.
Após a noite breve um longo amanhecer
me detém no umbral do dia.
Perco o que ganho no sonho e no desejo
quando a mim mesmo me acrescento.
Toda vez que me somo, subtraio-me,
uma porção levada pelo vento.
Incompleto no dia inacabado,
livre de ser ainda como e quando,
sigo a marcha das plantas e das estrelas.
E o que me falta e sobre é o meu contentamento.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Metonímico

André Guerra
Diz-me o que me transborda
O bordado que não cessa
Porque não cabe num copo
A linha que me atravessa

E na fazenda marcada
Sua virgem tez derramada
Desnuda o ponto na sobra
Desdobra o copo nas águas.

 Nasceu em Salvador, Bahia, reside em Vitória da Conquista desde 2012. Formado em Letras pela UFBA, E Mestrado em Memoria: Linguagem e Sociedade, pela UESB. Professor de Literatura Brasileira.
Afrânio Peixoto
Na poça da lama,
Como no divino céu
Também passa a lua
 
As coisas humildes,
Têm o seu encanto discreto:
O capim melado...
 
Um aeroplano
Em busca de combustível...
Oh! É um mosquito


Júlio Afrânio Peixoto (Lençóis, 17 de dezembro de 1876 — Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1947) foi um médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista e historiador brasileiro.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

 Arriete Vilela
Preciso sempre
ir dentro de mim:

confiro-me.

E quando emerjo,
sou rochedo descobrindo-se
com a baixa da
maré.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Vou...

Arriete Vilela
Vou me sabendo sem remansos.
Por vezes o mar estronda
dentro de mim
e tempestades medonhas me obrigam
a descer aos porões, a reconhecer-me
nas escotilhas fechadas da minha
incômoda solidão.

Difícil reconhecimento, porém.
Eu já sou muitas.
Meus olhos, é verdade,
ainda se mantêm amorosamente
indiscretos, e minha alma busca
da palavra as seduções segredosas
que me ardem no peito.

Mas já não me deixo
Possuir.

Preciso sempre...

Arriete Vilela
Preciso sempre
ir dentro de mim:

confiro-me.

E quando emerjo,
sou rochedo descobrindo-se
com a baixa da
maré.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Como dizia o poeta...

Vinícius de Moraes e Toquinho
Como dizia o poeta
Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Hai - Kais

Yeda Prates

                          Flauta,
                          cascata de pássaros
                          entornando cantos úmidos
 

                          **********************
 


                          O coração da aranha
                          se desfaz em geometria
                          de seda e mandala
 


                          **********************
 


                          Lavadeiras de beira-rio.
                          nas águas, boiando,
                          cores e cantos.
 


                          **********************
 


                          Caravelas brancas
                          navegam no ar
                          o nunca chegar
 


                          **********************
 


                          A jabuticabeira.
                          Através de líquida cortina
                          olhos negros espiam.
 


                          **********************
 


                          Imóvel,
                          o barco.
                          No entanto, viaja.
 


                          **********************


                          Noite no jasmineiro
                          Sobre o muro,
                          estrelas perfumadas

                                            Camisas alegres
                                             gangorram agosto
                                             no varal

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014


Yeda Prates Bernis
Sino de bronze
neblina em prata
ouro preto.

cólera


Wilmar Silva 
sem dúvida essa fadiga que entardece
é mais forte do que o vento
o vento que não é da família dos chacais
e me procura com uma lente invisível

o vento que racha as paredes
e atravessa a pintura

o vento que atravessa a pintura
e diz que os decibéis
das flores que lhe oferto
estão em anomalia

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

No meu mundo...

Regina Mello

No meu mudo silêncio
Morreram-se as palavras
Palavras que te condenam

Sobre a certidão
Sepultam-se
palavras

Palavras justas
Palavras Injustas

O julgamento terminou
Terminou
Com o corpo presente

amor...

Rubem Alves
Mais fundamental que o amor é a Liberdade! A liberdade é o alimento do Amor!
O Amor é pássaro que não vive em gaiola!
Basta engaiolá-lo para que ele morra!
Ter ciúme é reconhecer a liberdade do amor!
O desejo de liberdade é mais forte que a Paixão!
Pássaro eu não amaria quem me cortasse as Asas!
Barco eu não amaria quem me amarrasse no Cais!!

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Quando...


Rubem Alves
Disseste tudo ao dizer:
Quando a ausência de mim
Fizer presença em meu ser,
Visitarei a mim mesmo,
Para não me afastar de você.

Quando o peso do dever
Em mim soterrar a alma
Entre os escombros da vida,
Quero flutuar qual pluma
Na leve brisa da calma.

Quando o dizer tiver o poder
De revelar o que não quero,
Paro a pluma, guardo a voz,
Me rebelo no silêncio
Para me manter sincero.

Antes da noção do certo
Se revelar um engano,
Saio do cotidiano:
Adentro em outras rotinas,
Noutros mares vou pescar.

Não quero porto seguro,
Só âncora, vela e mar.
Âncora para ser meu porto,
Vela para me levar,
Mar para, no litoral,
As minhas ondas quebrar.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Um dia

Wilson Pereira

Eu sempre acordava cedo
para brincar.

Um dia meus brinquedos
se esqueceram
e não foram me acordar.

Levantei um pouco mais tarde
e fui trabalhar.

feridas

Regina Mello
As feridas ainda estão abertas, mas não sangram mais
Agora as feridas têm vida própria
Apodrecem em si, sangram em si, doem em si
Feridas escarnecidas doídas traídas e sentidas
Não, não podem mais...