terça-feira, 31 de julho de 2012

Cecilia Meireles



Atitude
Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta, 
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.

Paulo Leminski



Tarde de vento.
Até as árvores
querem vir para dentro.


segunda-feira, 30 de julho de 2012

Clarice Lispector




Meu Deus, me dê a coragem

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. 
Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. 
Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. 
Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. 
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. 
Faça com que minha solidão me sirva de companhia. 
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. 
Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. 
Receba em teus braços meu pecado de pensar.

domingo, 29 de julho de 2012

Chico Buarque de Holanda



Soneto

Por que me descobriste no abandono?
Com que tortura me arrancaste um beijo?
Por que me incendiaste de desejo
quando eu estava bem, morta de sono?

Com que mentira abriste meu segredo?
De que romance antigo me roubaste?
Com que raio de luz me iluminaste
quando eu estava bem, morta de medo?

Por que não me deixaste adormecida
e me indicaste o mar, com que navio?
e me deixaste só, com que saída?

Por que desceste ao meu porão sombrio?
Com que direito me ensinaste a vida
quando eu estava bem, morta de frio?

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Machado de Assis-Algumas de suas frases lapidares


"Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno"

"A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, as mais delas, capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo..."

"Não precisa correr tanto, o que é seu às mãos lhe há de vir..."

"A mentira é muita vez tão involuntária como a respiração."

"Mas o tempo, o tempo caleja a sensibilidade."

"Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, não se diz."

"(...) Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis (...)"

"Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!"

"A gratidão de quem recebe um benefício é bem menor que o prazer daquele de quem o faz."

"As coisas valem pelas idéias que nos sugerem."

"As pessoas valem o que valem para a afeição da gente."

"Lágrimas não são argumentos."

"O dinheiro não traz felicidade — para quem não sabe o que fazer com ele."

"Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar."

"Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar."

"É melhor, muito melhor, contentar-se com a realidade; se ela não é tão brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir."

"O acaso... é um Deus e um diabo ao mesmo tempo."

"Eu sinto a nostalgia da imoralidade."

"A moral é uma, os pecados são diferentes."

"A loucura é uma ilha perdida no oceano da razão."

"A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal."


Machado de Assis



Livros e flores

Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
em que melhor se leia
a página do amor?

Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
em que melhor se beba
o bálsamo do amor?

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Affonso Romano de Sant'Anna




Silêncio Amoroso 

Preciso do teu silêncio
cúmplice
sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal
pode me desamparar.
E se eu abrir a boca
minha alma vai rachar.
O silêncio, aprendo,
pode construir. É um modo
denso/tenso
- de coexistir.
Calar, às vezes,
é fina forma de amar.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Mario Quintana



DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mario Quintana


Confissão

 Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Abgar Renault



Como quem pede uma esmola


Preciso de uma palavra. 
Em que dia ou em que noite 
estará essa, que almejo, 
ideal palavra insabida, 
a única, a exclusiva, a só? 
Dela me sinto exilado 
todas as horas por junto, 
com minha face, meu punho, 
meu sangue, meu lírio de água. 
Soletro-me em tantas letras, 
e encontrá-la deve ser 
encontrar a criança e o berço, 
a unidade, a exatidão, 
o prado aberto na rua, 
a rua galgando a estrela. 
Preciso de uma palavra, 
uma só palavra rogo, 
como quem pede uma esmola. 
Em florestas de palavras 
os calados pés caminham, 
as caladas mãos perquirem, 
os olhos indagam firmes. 
Em que parábola cruel, 
em que ciência, em que planeta, 
em que fronte tão hermética, 
em que silêncio fechada 
estará viajando agora 
- mariposa de ouro azul - 
a palavra que desejo? 
Lâmina sexo cristal 
fulcro pântano convés 
voraginoso fluvial 
Antígona circunflexa 
catastrófico crepúsculo 
ênula ventre rosal 
sibila farol maré 
desesperadoramente 
nenhuma será nem é 
aquela do meu anseio. 
Como será, quando vier, 
a palavra entrepensada, 
necessária e suficiente 
para a minha construção 
de lápis, papel e vento? 
Dura, espessa, veludosa 
ou fina, límpida, nítida? 
Asa tênue de libélula 
ou maciça e carregada 
de algum plúmbeo conteúdo? 
Distante, insone e cativo, 
debaixo da chuva abstrata, 
eu me planto decisivo 
no tráfego confluente, 
aéreo, terrestre, marítimo, 
e espero que desembarque, 
triste e casta como um peixe 
ou ardendo em carne e verbo, 
e pouse na minha mão 
a áurea moeda dissilábica, 
a noiva desconhecida, 
a coroa imperecível: 
a palavra que não tenho. 

 

Clarice Lispector



Estrela Perigosa


Estrela perigosa
Rosto ao vento
Marulho e silêncio
leve porcelana
templo submerso
trigo e vinho
tristeza de coisa vivida
árvores já floresceram
o sal trazido pelo vento
conhecimento por encantação
esqueleto de idéias
ora pro nobis
Decompor a luz
mistério de estrelas
paixão pela exatidão
caça aos vagalumes.
Vagalume é como orvalho
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir
Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.

No obscuro erotismo de vida cheia
nodosas raízes.
Missa negra, feiticeiros.
Na proximidade de fontes,
lagos e cachoeiras
braços e pernas e olhos,
todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto a falta dele
como se me faltasse um dente na frente:
excrucitante.
Que medo alegre,
o de te esperar.


domingo, 22 de julho de 2012

Cora Coralina



Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras
e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que tem sede.

sábado, 21 de julho de 2012

Affonso Romano de Sant'Anna



Letra: Ferida Exposta ao Tempo

É forçoso dizer que me faz falta
o poema que existe e nunca li,
como se alhures
brotassem coisas que não vi
e que distantes,
carentes,
dependessem de mim.

Algo como se o intocado fosse a sinfonia
inacabada, mais: rasgada
como o quadro nunca esboçado, perdido
na abatida mão do artista.

O ausente
é uma planta
que na distância se arvora
e é tão presente
quanto o passado que aflora.

E a literatura, mais que avenida ou praça
por onde cavalga a glória, é um monumento,
sim, de dúbia estória: granito e rima,
alegoria ao vento, lugar onde carentes
e arrogantes
cravamos nosso nome de turista:
-estive aqui, desamado,
riscando a pedra e o tempo
expondo meu sangue e nome
com o coração trespassado.
*            *            *

Affonso Romano de Sant'Anna



Presente vivo

Viver
é conjugação diária
do presente.

Viver
é presentear.
Mais do que um jeito de doer
é um modo de doar.

E um presente
mais que um objeto
é o elo entre dois olhos
a floração do gesto
o prateado evento
e o cristalino afeto.

Não se dá
apenas pelo prazer
de ver
o outro receber.

Dá-se
para que o outro
entreabrindo-se ao presente
também dê.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Vinícius de Moraes




ALÉM DO TEMPO

Esse amor sem fim, onde andará?
Que eu busco tanto e nunca está
E não me sai do pensamento
Sempre, sempre longe

Esse amor tão lindo que se esconde
Nos confins do não sei onde
Vive em mim além do tempo
Longe, longe, onde?

Por que não me surges nessa hora
Como um sol
Como o sol no mar
Quando vem a aurora

Esse amor que o amor me prometeu
E que até hoje não me deu
Por que não está ao lado meu?

Esse amor sem fim, onde andará?
Esse amor, meu amor,
Onde andará?

quinta-feira, 19 de julho de 2012

HILDA HILST



Para poder morrer
Guardo insultos e agulhas
Entre as sedas do luto.
Para poder morrer
Desarmo as armadilhas
Me estendo entre as paredes
Derruídas
Para poder morrer
Visto as cambraias
E apascento os olhos
Para novas vidas
Para poder morrer apetecida
Me cubro de promessas
Da memória.
Porque assim é preciso
Para que tu vivas.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

VAIDADE INTELECTUAL




“A modéstia é a vaidade escondida atrás da porta.”
(Mário Quintana)

A pior das vaidades
não apresenta-se no espelho,
não esbanja futilidades,
nem usa batom vermelho.
A pior e mais abjeta
de toda forma de vaidade,
é aquela que, esperta,
cobre-se e fica à vontade
sob o manto do conhecer,
do excesso de informação,
que escancara aos quatro ventos
títulos e homenagens,
desculpas para a arrogância,
pouco tato e intolerância.
É a cabeça que faz vezes
da alma, há muito morta.
Verdade, Quintana:
há muita coisa atrás da porta.
]
Extraído do Site: http://www.deboradenadai.prosaeverso.net/index.php

terça-feira, 17 de julho de 2012

Olavo Bilac



Via Láctea 

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso”! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora! “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.



segunda-feira, 16 de julho de 2012

Álvaro de Campos




Álvaro de Campos um dos heterónimos mais conhecidos do poeta português Fernando Pessoa.

Às Vezes

    Às vezes tenho idéias felizes, 
    Idéias subitamente felizes, em idéias 
    E nas palavras em que naturalmente se despegam... 
 
    Depois de escrever, leio... 
    Por que escrevi isto? 
    Onde fui buscar isto? 
    De onde me veio isto?  Isto é melhor do que eu... 
    Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta 
    Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

domingo, 15 de julho de 2012

Octavio Paz



Irmandade


Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.

Mário Quintana





"Não quero alguém que
morra de amor por mim...
Só preciso de alguém que
viva por mim, que queira
estar junto de mim, me abraçando.
Não exijo que esse alguém me
ame como eu o amo, quero
apenas que me ame, não me
importando com que intensidade.


Não tenho a pretensão de que
todas as pessoas que gosto, gostem de mim...
Nem que eu faça a falta que elas me fazem,
o importante pra mim é saber que eu,
em algum momento, fui insubstituível...
E que esse momento será inesquecível...
Só quero que meu sentimento seja valorizado.


Quero sempre poder ter um sorriso
estampando em meu rosto, mesmo
quando a situação não for muito alegre...
E que esse meu sorriso consiga transmitir
paz para os que estiverem ao meu redor.
Quero poder fechar meus olhos
e imaginar alguém...
E poder ter a absoluta certeza de
que esse alguém também pensa
em mim quando fecha os olhos,
que faço falta quando não estou por perto.


Queria ter a certeza de que apesar de
minhas renúncias e loucuras, alguém
me valoriza pelo que sou, não pelo que tenho...
Que me veja como um ser humano completo,
que abusa demais dos bons sentimentos que
a vida lhe proporciona, que dê valor ao que
realmente importa, que é meu sentimento...
E não brinque com ele.
E que esse alguém me peça para que eu
nunca mude, para que eu nunca cresça,
para que eu seja sempre eu mesmo.


Não quero brigar com o mundo, mas se
um dia isso acontecer, quero ter forças
suficientes para mostrar a ele que o amor existe...
Que ele é superior ao ódio e ao rancor, e que
não existe vitória sem humildade e paz.
Quero poder acreditar que mesmo se hoje
eu fracassar, amanhã será outro dia,
e se eu não desistir dos meus sonhos e propósitos,
talvez obterei êxito e serei plenamente feliz.


Que eu nunca deixe minha esperança
ser abalada por palavras pessimistas...
Que a esperança nunca me pareça um
"não" que a gente teima em maquiá-lo
de verde e entendê-lo como "sim".


Quero poder ter a liberdade de dizer
o que sinto a uma pessoa, de poder
dizer a alguém o quanto ela é especial
e importante pra mim, sem ter de
me preocupar com terceiros...
Sem correr o risco de ferir uma ou
mais pessoas com esse sentimento.


Quero, um dia, poder dizer às pessoas
que nada foi em vão...
Que o amor existe, que vale a pena se
doar às amizades a às pessoas,
que a vida é bela sim, e que eu
sempre dei o melhor de mim..
.e que valeu a pena!!!
(Mário Quintana)

sábado, 14 de julho de 2012

Clarice Lispector



A Lucidez Perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já  me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade  -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.


sexta-feira, 13 de julho de 2012

Manoel de Barros


Fernando Pessoa



Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Clarice Lispector


Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.

Cáh Morandi



Poderíamos ser
não somos estrelas, nem trovões, nem sol
mas nascemos com um brilho
que se esconde, na timidez
e nas fraquezas que sobrepõe
os corajosos que deveríamos ser

não temos exércitos
nós não governamos uma nação
não temos sangue real
nascemos condenados
a sermos escravos
de nós mesmos

nós somos tanto,
e optamos ser nada.

Cecília Meireles




O canteiro está molhado

O canteiro está molhado. 

Trarei flores do canteiro,

Para cobrir o teu sono.

Dorme, dorme, a chuva desce, 

Molha as flores do canteiro.

Noite molhada de chuva,

Sem vento, nem ventania,

Noite de mar e lembranças..."

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Patativa do Assaré


Sou filho das matas
cantor da mão grossa
trabalho na roça
deveras o destino.

A minha choupana
é tapada de barro,
só fumo cigarro
de palha de milho.

Meu verso rasteiro
singelo, sem graça
não entra na praça
no rico saloon

Meu verso só entra
no campo e na roça,
na pobre palhoça
da terra ao sertão.


Patativa do Assaré



Não tenho sabença,
pois nunca estudei,
apenas eu sei
o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho,
vivia sem cobre
e o fio do pobre
não pode estudá

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Otto Lara



Ver Vendo

De tanto ver, a gente banaliza o olhar - vê... não vendo.
Experimente ver, pela primeira vez,
o que você vê todo dia, sem ver.
Parece fácil, mas não é:
o que nos cerca, o que nos é familiar,
já não desperta curiosidade.
O campo visual da nossa retina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta.
Se alguém lhe perguntar o que você vê
no caminho, você não sabe.
De tanto ver, você banaliza o olhar.
Sei de um profissional que passou 32 anos a fio
pelo mesmo hall do prédio do seu escritório.
Lá estava sempre, pontualíssimo, o porteiro.
Dava-lhe bom-dia e, às vezes,
lhe passava um recado ou uma correspondência.
Um dia o porteiro faleceu. Como era ele?
Seu rosto? Sua voz? Como se vestia?
Não fazia a mínima idéia.
Em 32 anos nunca conseguiu vê-lo.
Para ser notado, o porteiro teve que morrer.
Se um dia, em algum lugar estivesse uma girafa
cumprindo o rito, pode ser, também,
que ninguém desse por sua ausência.
O hábito suja os olhos e baixa a voltagem.
Mas há sempre o que ver:
gente, coisas, bichos. E vemos?
Não, não vemos.
Uma criança vê que o adulto não vê.
Tem olhos atentos e limpos
para o espetáculo do mundo.
O poeta é capaz de ver pela primeira vez,
o que de tão visto, ninguém vê.
Há pai que raramente vê o filho.
Marido que nunca viu a própria mulher.
Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos...
é por aí que se instala no coração
o monstro da indiferença.

Manoel de Barros



Uma Didática da Invenção
do "O Livro das Ignorãnças" ed. Civilização Brasileira.


I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com
faca
b) 0 modo como as violetas preparam o dia
para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas
vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência
num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre 2
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

IV
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para
Dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras

IX
Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

IX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

domingo, 8 de julho de 2012

Manoel de Barros



O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

Luís Vaz de Camões



  
Tão suave, tão fresca e tão fermosa
   
Tão suave, tão fresca e tão fermosa,
nunca no Céu saiu
a Aurora no princípio do Verão,
as flores dando a graça costumada,
como a fermosa, mansa fera, quando
um pensamento vivo m'inspirou,
por quem me desconheço.

Bonina pudibunda ou fresca rosa
nunca no campo abriu,
quando os raios do Sol no Touro estão,
de cores diferentes esmaltada,
como esta flor que, os olhos inclinando,
o sofrimento triste costumou
à pena que padeço.

Ligeira, bela Ninfa, linda, irosa,
não creio que seguiu
Sátiro, cujo brando coração
de amores comovesse fera irada,
que assi fosse fugindo e desprezando
este tormento, onde Amor mostrou
tão próspero começo.

Nunca, enfim, cousa bela e rigorosa
Natura produziu
que iguale àquela forma e condição,
que as dores em que vivo estima em nada.
Mas com tão doce gesto, irado e brando,
o sentimento e a vida me enlevou
que a pena lhe agradeço.

Bem cuidei de exaltar em verso ou prosa
aquilo que a alma viu
antre a doce dureza e mansidão,
primores de beleza desusada:
mas, quando quis voar ao Céu, cantando,
entendimento e engenho me cegou
luz de tão alto preço.

Naquela alta pureza deleitosa
que ao mundo se encobriu
e nos olhos angélicos, que são
senhores desta vida destinada,
e naqueles cabelos que, soltando
ao manso vento, a vida me enredou,
me alegro e entristeço.

Saudades e suspeita perigosa,
que Amor constituiu
por castigo daqueles que se vão;
temores, penas d'alma desprezada,
fera esquivança, que me vai tirando
o mantimento que me sustentou,
a tudo me ofereço.

sábado, 7 de julho de 2012

Gandhi



Verdade e amor sempre !

Quando estou desanimado,
lembro que em toda a história
a verdade e o amor venceram sempre.
Houve tiranos e assassinos.
A princípio pareciam invencíveis,
mas tombaram todos! 




sexta-feira, 6 de julho de 2012

Machado de Assis



BONS AMIGOS (compartilhado pela amiga Maria Silvia)

Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!

Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!

Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!


Fernando Pessoa



Navegar é Preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
“Navegar é preciso; viver não é preciso”.

Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.




quinta-feira, 5 de julho de 2012

Abgar Renault



Encantamento

Ante o deslumbramento do teu vulto
sou ferido de atônita surpresa
e vejo que uma auréola de beleza
dissolve em lua a treva em que me oculto.


Estás em cada reza do meu culto,
sonhas na minha lânguida tristeza,
e, disperso por toda a natureza,
paira o deslumbramento do teu vulto.


É tua vida a minha própria vida,
e trago em mim tua alma adormecida...
Mas, num mistério surdo que me assombra,


Tu és, às minhas mãos, fluida, fugace,
como um sonho que nunca se sonhasse
ou como a sombra vã de uma outra sombra...

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Olavo Bilac



Remorso

Às vezes uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah ! Mais cem vidas ! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando !

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude.

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse !

terça-feira, 3 de julho de 2012

Artur da Távola



Soneto Inascido

O poema subjaz.
Insiste sem existir
escapa durante a captura
vive do seu morrer.
O poema lateja.
É limbo, é limo,
imperfeição enfrentada,
pecado original.
O poema viceja no oculto
engendra-se em diluição
desfaz-se ao apetecer.
O poema poreja flor e adaga
e assassina o íncubo sentido.
Existe para não ser.

domingo, 1 de julho de 2012

Affonso Romano de Sant’Anna



Amor e Medo

Estou te amando e não percebo,
porque, certo, tenho medo.
Estou te amando, sim, concedo,
mas te amando tanto
que nem a mim mesmo
revelo este segredo.

Clarice Lispector



"... Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou uma desesperada e estou cansada, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias".
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