Leo Cunha
Para quem olha a pedra dormindo
e escuta seus sonhos.
Para quem olha a pedra sorrindo
e rouba seu coração.
Para quem olha a pedra olhando
seus olhos no espelho.
Para quem vê a pedra criando
vida em sua mão.
terça-feira, 31 de maio de 2016
quarta-feira, 25 de maio de 2016
DE COMO SILENCIAR CANÇÕES
Jacqueline Lopes Salgado Soares
Tinha mãos de espinho porque destruíste as rosas. Eu, também rosa,
Desabitei teu gesto, com o que restara de minhas asas de gelo.
Tocamo-nos apenas no silêncio
Por trás da tarde, levemente crivado
De palpites acinzentados. As horas ficam.
Curvam-se ágeis as palavras mortas, em um ou dois
Bagaços da memória. Estrelas
Se desdobram por baixo revirando minhas metáforas
Todas repousando delicadas
Por ironia da noite.
Cerro os olhos de dentro para não ver a espera.
Por fora, sou um jardim atento.
Verdades sobre ti
Passam-morrem,
Escoam et caeteramente
Pelos olhos cúmplices do entorno.
Eis-me na dor da hora suja. Eis-me
Secreta, hermética, profunda, divagada
Pela rosa muda que sonhei, em mim.
Movo-me cada vez mais distante dos teus riscos
E o que vês em mim, é o seu único Refúgio.
Eu sei, é certo. Não faltarão simulacros
De rosas outras
A desdizer-me enquanto canção, nem outras mãos miúdas.
Nem braços descruzados à despertar pássaros ferida abaixo.
Nem rosas cantadas em silêncio. Silêncio
Grande demais, para se habitar só em gestos.
LÁZARO, O CERRADO E A PROFECIA
Clúdio David Dangió
Lázaro nasceu no cerrado
O cerrado se fez em flor
Ipês, copaíbas e faveiros
Raízes e cipós entrelaçaram-no
E o cerrado nasceu em Lázaro
Entre amigos bichos do campo
Disputando frutas silvestres
Gabirobas, marolos e cambuís
E assim aculturou-se
Com músicas vindas da mata
Sinfonias de aves e pássaros
Sabiás, jacus e mutuns
Também se evangelizou
Com estórias de assombração
Saci, caipora e lobisomem
Suas crenças e mitos
Nas campinas incandescentes
Das noites de lua cheia
O guará “uuuuuuivava” em ritual
Dragões com chamas e fumaça
Correntes mata adentro
Arrancavam arbustos da Mãe
E a profecia fez-se então
Em seu derradeiro suspiro
Lázaro bradou:
– Pai! Afasta de mim
O gosto amargo do açúcar
Abraçado, morreu com o cerrado
Seus amigos sem julgamento
Queimados foram todos
Das cinzas, a metamorfose verde
O progresso sentenciou:
– Lázaro, levanta-te
E deixa o canavial
E assim cumpriu-se o veredito
Hoje, uma voz mansa e cansada
Clama solitária no deserto:
– Quero apenas um eito
Um eito do cerrado.
E Lázaro tinha visões,
terça-feira, 24 de maio de 2016
sábado, 21 de maio de 2016
Esquina?
E eu,
de novo, dobrando a esquina
carregando
a tralha
onde
não coube os meus sonhos
espinhos
multiplicados
esperanças
despejadas
E eu,
de novo, dobrando a esquina
buscando
vestir horizontes
que
meus olhos ainda não alçaram
pra ser
verso
pra ser
prosa
ou quem
sabe ser passarinho.
Fátima Fonseca
segunda-feira, 16 de maio de 2016
Gargalhada
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...
- João Guimarães Rosa, em 'Magma
mulher
não me lembro
de ter nascido
quando
dei por gente
brincava
com bonecas
soube
que meu pai queria um filho, sexo
masculino
minha mãe queria
agradar o meu pai
irremediável
nasci mulher!
Fátima Fonseca
sexta-feira, 13 de maio de 2016
segunda-feira, 9 de maio de 2016
CAÇADA
E o que é o amor
senão a pressa
da presa
em prender-se?
A pressa
da presa
em
perder-se
Ana Martins Marques
em Da Arte das Armadilhas
DAS COISAS QUE SE VÃO ENQUANTO A GENTE FICA
Marcel Camargo
O tempo corre, a vida passa e tudo vai tomando seu rumo, às vezes perto, outras vezes bem longe de nós. Às vezes com duração longa, outras vezes rápido demais.
E então o próximo vai se tornando distante, o certo fica duvidoso, o que foi intenso se transforma em raridade e o hoje se perde em meio à saudade do ontem e às expectativas do amanhã.
A infância, a adolescência e a juventude vão embora, levando os amigos imaginários, a inocência e a ingenuidade, os sonhos impossíveis, o cheiro de grama molhada.
Vão-se as paixões, o primeiro beijo, as espinhas, os cabelos nos ombros.
Os ideais, o espírito rebelde da liberdade a qualquer preço, as contestações frente ao mundo em que não nos encaixamos.
As pessoas vão embora, enquanto amargamos as decepções amorosas, as traições de quem colocamos na frente de todos, o fim de várias certezas que achávamos inabaláveis.
E se vão os empregos, a estabilidade, o equilíbrio emocional, a paciência, a vontade de mudar o mundo, o desejo das coisas para ontem, o desfrute descompromissado do aqui e agora.
Os avós, os pais, familiares, muitas pessoas especiais se vão, aos poucos ou repentinamente, colocando-nos frente a frente com a inevitabilidade da morte, trazendo a dor diante da conscientização acerca da finitude das coisas e das pessoas. E acabam levando junto o porto-seguro, nosso lar, para onde podíamos voltar, mesmo que em pensamento, para que nos sentíssemos mais seguros quando dos tombos que a vida dá.
Os filhos partem, criam asas, viram gente e saem de casa, às vezes de uma maneira nada amigável, outras vezes com relutância e medo, mas têm de ir; não existe outro jeito.
Junto com eles, vão-se as presenças constantes, o controle que já nem se tinha de verdade, o bom dia mal-humorado, as esperas ansiosas da maçaneta da porta se abrindo, ao final das madrugadas no fim de semana.
Cabe-nos, portanto, reter em nós o melhor de tudo o que já fez parte de nossas vidas, usando as lembranças em nosso favor, como bálsamo e combustível motivador de nosso seguir em frente.
Muito se vai enquanto a gente fica.
Sim, a gente fica menos acompanhado, a gente fica doído, porém bem mais forte, mais vivido, mais experiente, mais humano. Fica à mercê o curso do tempo, das idas e vindas do que fez, faz e sempre fará parte de nós.
É dessa forma, afinal, que nossa vida se torna mais rica, mais mágica, mais digna de ter sido vivida, sofrida e aproveitada em toda dor e alegria que é tão humana, tão nossa, tão doída, tão bela.
terça-feira, 3 de maio de 2016
domingo, 1 de maio de 2016
AMOR
Paulo Leminski
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
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