terça-feira, 29 de março de 2016
domingo, 20 de março de 2016
O Rio São Francisco
Fátima Fonseca
O velho chico é um poema
alongando caminhos
de mortes e nascimentos
entre margens
de coragem, fé e sonhos
de uma gente
que aprendeu sua fala
molhada
nadar contra a correnteza
não é imprudência
é piracema
é reprodução
o velho chico é um poema
quem o conhece
arde esplendor
move água
cala poente
dorme peixe
e acorda êxtase
sábado, 19 de março de 2016
infancia na roça
Fátima Fonseca
infância na roçafeita de dias compridos
das palavras sem tramelas
derramando a vontade
nas coisas singelas
quinta-feira, 17 de março de 2016
quarta-feira, 16 de março de 2016
Montes Claros
Fátima Fonseca
tem céu azul e montes claros
tem cor de terra
voz de pássaros
mistérios de grutas
cacimbas e riachos
rastros de palavras
dormindo dentro de mim.
Aqui, neste momento
Imagino que tu és
Esta folha branca de papel
Que estou percorrendo
Com uma caneta cor de mel
Bico fino e com tinta azul
Que suavemente desenha
Letras como quem acaricia
A pele
Do objecto do desejo.
Se tu és esta folha de papel
Eu sou a caneta que sobre ela
Desliza
E a transforma no ser
Que deseja e idealiza.
O desejo humedece o ar
Que por sua vez faz
Suar a pele
Que é o papel.
O calor derrete a tinta
Da caneta cor de mel.
De repente
Folha e caneta
Transformam-se
Num objecto de contorno difuso
Mesmo confuso
E explodem
Transbordando energia
E desaparecem!
E eu já nem sei o que escrevia
Perdida nesta metáfora
Absurda de fantasia…
terça-feira, 15 de março de 2016
dentro dos poemas
Fátima Fonseca
quando eu era menina
e morava no interior com
meus avós
o grupo escolar ficava
pertinho da nossa casa
nas segundas feiras
tínhamos o horário cívico
até dava pra ouvir o hino nacional
e poesias sendo recitadas
em casa a gente
passava as tardes
quase todos sempre
juntos
da cozinha exalava o
cheirinho de café coado
portas e janelas abertas
lá fora as arvores
vagavam nas mãos do vento
ocultas a nossa
rotina
minha tia pedalava sua
máquina de costura
eu com meus cadernos nas
mãos
decorava os poemas
entre retalhos, fitas e
linhas
ela me tomava a lição
às vezes elogiava as
vezes corrigia
e pedia pra
repetir:
“Barbara bela...
de te ausente
triste somente
as horas passo a
suspirar”
com os olhos rasos
d’água
ela me contava o
sofrimento do autor
em cárcere longe de sua
amada
escreveu esse poema
nas paredes descascadas
na prisão
dizia ela emocionada
o tecido de mistério
lilás
escorria entre seus dedos
olhos viam distancias
e passeavam pelos seus
desertos
minha tia amoldava o
tecido e sua dor
um amor proibido?
ou não correspondido,
quem sabe?
na segunda feira eu
estava toda prosa pra declamar
mas a voz embargava
havia uma angustia
minúscula
as palavras não queriam
falar
secretas só queriam ser
entendidas
até hoje me sinto
abandonada pela minha voz
que me chama para
adentrar nos poemas.
domingo, 13 de março de 2016
Poema de Porcelana
Poema de Porcelana (Rosangela Alves)
Seguro este poema pela asa,
como se fosse a xícara
inglesa, que foi da minha mãe,
com rosas esmaecidas,
prestes a despetalar.
Visto na contraluz,
é quase transparente.
Tem alma de jasmim
e suspira quando lido.
Levemente.
Traz a palavra cuidado!
Impressa em sua embalagem.
A xícara, eu, o poema,
estamos aqui de passagem.
este poema é dedicado; de Rosangela para Apparecida/oficina Literaria-OAP-UFMG
sexta-feira, 11 de março de 2016
quinta-feira, 10 de março de 2016
As amoras
Eugénio de Andrade
O meu país sabe às amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
escrever
Eugénio de Andrade
Eu nem sequer gosto de escrever. Acontece-me às vezes estar tão desesperado que me refugio no papel como quem se esconde para chorar. E o mais estranho é arrancar da minha angústia palavras de profunda reconciliação com a vida.terça-feira, 8 de março de 2016
Ser mulher
ela não
lembra de ter nascido
quando
deu por gente era fêmea
a
mulher pegou um zarolho poente
de sol
que sabe renascer
adquiriu
gestos crespuculosos
tocava
as coisas com sexto sentindo
e com
assombro e magia
metamorfoseava
seu ser jasmim ( Fátima Fonseca)
Com licença poética
Mulher
é desdobrável. Eu sou. (Adélia Prado)
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
segunda-feira, 7 de março de 2016
quinta-feira, 3 de março de 2016
Eu que me Aguente Comigo
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Eu que me Aguente ComigoContudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.
Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.
Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.
Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim.
Roseana Murray
Por favor, reservem dois lugaresnum disco voador,
um pra mim, outro pro meu amor
que eu tenho sede de céu,
tenho fome de estrelas
e uma vontade louca de mastigar
violetas
Prefiro partir nas primeiras horas do dia
quando as nuvens ainda são suave carícia.
Levarei comigo uma bagagem tão pequena
que ninguém nem mesmo notará:
uma bússola feita de vento
e um embrulho de sonhos
mais leve que a luz.
Quero encontrar um planeta
onde os homens tenham as mãos
de tal modo azuis
que ninguém saiba direito se são mesmo
homens ou se são anjos ou pássaros
Minha nave descerá suavemente
num campo de girassóis
e os homens acenarão sorrindo
sem medo nenhum.
Quando vejo numa noite escura
alguma estrela solitária semeando o céu,
sinto pressa de partir.
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