terça-feira, 15 de março de 2016

dentro dos poemas


                                                                 
Fátima Fonseca

quando eu era menina
e morava no interior com meus avós
o grupo escolar ficava pertinho da nossa casa 
nas segundas feiras tínhamos o horário cívico
até dava pra ouvir  o hino nacional
e poesias  sendo recitadas

em casa a gente passava  as tardes
quase todos sempre juntos
da cozinha exalava o cheirinho de café coado
portas e janelas abertas
lá fora as arvores vagavam nas mãos do vento
ocultas a nossa rotina 

minha tia pedalava sua máquina de costura 
eu com meus cadernos nas mãos
decorava os poemas
entre retalhos, fitas e linhas
ela me tomava a lição
às vezes elogiava as vezes corrigia
e  pedia pra  repetir:

“Barbara bela...
de te ausente
triste somente
as horas passo a suspirar”

com os olhos rasos d’água
ela me contava o sofrimento do autor
em cárcere longe de sua amada
escreveu esse poema
nas paredes descascadas na prisão
dizia ela emocionada

o tecido de mistério lilás
escorria entre  seus dedos
olhos viam distancias
e passeavam pelos seus desertos
minha tia amoldava o tecido e sua dor
um amor proibido?
ou não correspondido, quem sabe?

na segunda feira eu estava toda prosa pra declamar
mas a voz embargava
havia uma angustia minúscula
as palavras não queriam falar
secretas só queriam ser entendidas
até  hoje me sinto  abandonada pela minha voz
que me chama para adentrar nos poemas.



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