Fátima Fonseca
quando eu era menina
e morava no interior com
meus avós
o grupo escolar ficava
pertinho da nossa casa
nas segundas feiras
tínhamos o horário cívico
até dava pra ouvir o hino nacional
e poesias sendo recitadas
em casa a gente
passava as tardes
quase todos sempre
juntos
da cozinha exalava o
cheirinho de café coado
portas e janelas abertas
lá fora as arvores
vagavam nas mãos do vento
ocultas a nossa
rotina
minha tia pedalava sua
máquina de costura
eu com meus cadernos nas
mãos
decorava os poemas
entre retalhos, fitas e
linhas
ela me tomava a lição
às vezes elogiava as
vezes corrigia
e pedia pra
repetir:
“Barbara bela...
de te ausente
triste somente
as horas passo a
suspirar”
com os olhos rasos
d’água
ela me contava o
sofrimento do autor
em cárcere longe de sua
amada
escreveu esse poema
nas paredes descascadas
na prisão
dizia ela emocionada
o tecido de mistério
lilás
escorria entre seus dedos
olhos viam distancias
e passeavam pelos seus
desertos
minha tia amoldava o
tecido e sua dor
um amor proibido?
ou não correspondido,
quem sabe?
na segunda feira eu
estava toda prosa pra declamar
mas a voz embargava
havia uma angustia
minúscula
as palavras não queriam
falar
secretas só queriam ser
entendidas
até hoje me sinto
abandonada pela minha voz
que me chama para
adentrar nos poemas.
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