quarta-feira, 20 de maio de 2015

CORAÇÃO MOLE
Solange Amado
Foi  assim, doutor. Quase que eu desisti, mas graças a Deus tive forças pra cumprir minha palavra até o fim. Não que fosse novidade pra mim. Já abotoei o paletó de muito cabra macho por esse sertão afora. Trabalho limpo e garantido. E ninguém pode dizer que eu exploro. A quantia depende do trabalho que dá apagar o sujeito, e da distância. Quanto mais longe, mais dificultoso o nosso comparecimento, e mais caro. Já percorri todo esse mundaréu de sertão cumprindo a minha obrigação, porque é isso, doutor, quando dou minha palavra, é obrigação, questão de honra. Não carece de botar nada no papel. Só o apalavrado mesmo. Se um dia o senhor tiver precisão de mandar um desafeto dessa para melhor, pode contar com meus serviços. Ainda mais pro senhor, que é homem de respeito.
O que é isso, doutor? Remorso não tem lugar nessa vida. É o destino, doutor. O que tem de ser feito, tem de ser feito. Acontece que sou eu que faço. Me encarrego do serviço, e o camarada fica livre do problema. Só isso. Todo mundo vai empacotar um dia. E se não é de morte morrida, é de morte matada.
É isso. De menos com essa dona. Confesso que fiquei meio balançado, doutor. Ninguem nunca me pediu pra ser apagado. A encomenda era ela mesma, entende? De princípio eu não queria entrar nessa fria. Só podia ser fria. Coisa de gente maluca. Mas ela me convenceu. Eu nunca bebo com os clientes, mas concedi esse benefício porque ela estava disposta a me pagar muito bem por uma merreca de serviço, bem moleza, sem nadica de nada de esforço. Eu não ia mandar pro bispo uma mamata dessas, num é doutor? Era pegar ou largar. Meu erro foi ter demorado tanto. Já falei, não bebo com os clientes, porém, ela carecia de encorajamento pra mais e eu fui ficando. Podia ter puxado o meu berro e resolvido de vez a parada. Mas a idade vai fazendo o coração mole. Sou um cabra duro. Não dou moleza fácil. Mas vacilei e foi aí que me pegaram. Dei bobeira. Nessa minha profissão não tem lugar para arrastar asa pra mulher nenhuma. E pode-se dizer que foi o sucedido. Tantos anos de profissão e nunca fui em cana. Já fiz muito trabalho difícil pra gente importante e não sofri nenhum vacilo. Foi só entrar mulher no meio e a coisa desandou.
Coisa mais simples. Ela queria morrer, não? Pagou direitinho. Era pegar a garrucha e mandar bala. Rápido e limpo. E dar o fora. Mas se é mulher, a coisa vira encrenca. Ela queria encher a cara primeiro e jogar conversa fora, essa choradeira de mulher abandonada, que sempre pega o homem e gruda que nem carrapato. Foi isso, doutor delegado. Só fiz o meu serviço.
Mesmo que o senhor não acredite, sou um homem de respeito, de palavra. Eu mato, mas não minto.
E vou dizer uma coisa, doutor. Se quiser o conselho de um matador experiente, com mulher é cautela redobrada. Matar primeiro e conversar depois.

Maria Solange Amado Ladeira                            solangesolsal@hotmail.com

29/10/13

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