quarta-feira, 20 de maio de 2015

De bolas e deuses gregos
 Solange Amado
Foi mais ou menos assim. Nunca entendi nadica de nada de futebol. Nunca saquei que aquele cara de preto correndo pra lá e pra cá no meio do campo, aquele incompetente que nunca alcançava a bola, era o juiz. E eu nem desconfiava que a função dele era essa mesma, fugir da bola, mas estar sempre de olho nela e no que os jogadores faziam com ela. Uma espécie assim de agente secreto, ou um detetive encarregado de flagrantes de infidelidade. Pisou na bola, ele apita, deu um bicudo no companheiro, tá fora do jogo. De cartão vermelho eu sacava. Tinha acabado de dar um de presente a um, eu diria, metrossexual, que tinha tido a gentileza de, por sua vez, me presentear com um belo par de chifres. Falta desleal.
Depois daquela rasteira na minha autoestima, não tinha sentido eu perder a chance de agarrar o deus grego que me apareceu assim de repente, depois de um largo tempo de secura. Era a oportunidade de sair do buraco. Só não contava com o fato de que aquela figura mitológica tinha uma estranha obsessão: ele dormia, comia e vivia futebol desde que saltou fora do ventre materno. E desconfio que só se interessava por mulher porque o lay out desta, tinha redondezas semelhantes às de uma bola.
E se um bem maior se alevantava, eu ia virar praticamente um mix de Cristiano Ronaldo com Galvão Bueno. Zagueiro, impedimento, falta, pênalti, atacante, linha de fundo, corner, passaram a fazer parte do meu vocabulário diário. Queimei pestanas numa pós graduação no google. Xingar a mãe do juiz também fazia parte do meu novo aprendizado, não obstante fosse difícil detectar a hora certa de lançar os impropérios, porque eu nunca sabia contra quem ou a favor de quem o senhor de preto estrilava seu apito.
Ao invés do couro macio das poltronas de cinemas, teatros e restaurantes, o cimento duro das arquibancadas passou a acariciar meu traseiro pelo menos, uma vez por semana.
A princípio, aqueles 22 marmanjos correndo atrás de uma bolinha por longos 90 minutos era algo um tanto monótono, pra não dizer meio ridículo e a histeria deslavada de um estádio inteiro, escapava à minha modesta compreensão.
O tempo foi passando, meu deus grego só tinha olhos para aquelas criaturas atléticas com sua bolinha solitária e eu só tinha olhos para ele. Nos intervalos eu agitava bandeiras e tentava agitar seu interesse pela minha pessoa. Infelizmente, nunca logrei sacudir as redes do seu tesão com uma cabeçada certeira, uma bicicleta ou uma folha seca, ou outras posições do kama sutra futebolístico. Minhas tentativas sempre batiam na trave.
O tempo foi passando e me cansei de ser atriz coadjuvante naquela ópera esportiva. Cansei de só encontrá-lo nas reentrâncias. Decidi que meu deus grego não estava com aquela bola toda. O verdadeiro espetáculo estava lá embaixo no gramado. E cada vez meus olhos se voltavam mais pra lá.
Só ao botar pra escanteio e driblar a criatura que se colocava entre mim e  o gramado é que entendi a emoção de um gol de placa e quão libertador é o chute certeiro nas redes da independência. Desde então, não importa quem ganha ou quem perde. Não dependo do resultado do jogo em si. Isso são circunstancias. No momento libertador do gol, não importam subordinação e reticências.
Hoje, confesso que mantenho os deuses gregos bem quietinhos dentro da mitologia. Coloco meu traseiro no cimento frio e fico de olho em 22 deuses de carne e osso. Mantenho sob controle a bolinha, vigio de perto o homem de preto. E se duvidar dou um carrinho em quem barrar meu caminho até o âmago do meu desejo.



Maria Solange Amado Ladeira                solangesolsal@hotmail.com       20/05/14

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