De bolas e deuses gregos
Solange Amado
Foi mais ou menos assim. Nunca entendi nadica de nada de
futebol. Nunca saquei que aquele cara de preto correndo pra lá e pra cá no meio
do campo, aquele incompetente que nunca alcançava a bola, era o juiz. E eu nem
desconfiava que a função dele era essa mesma, fugir da bola, mas estar sempre
de olho nela e no que os jogadores faziam com ela. Uma espécie assim de agente
secreto, ou um detetive encarregado de flagrantes de infidelidade. Pisou na bola,
ele apita, deu um bicudo no companheiro, tá fora do jogo. De cartão vermelho eu
sacava. Tinha acabado de dar um de presente a um, eu diria, metrossexual, que
tinha tido a gentileza de, por sua vez, me presentear com um belo par de
chifres. Falta desleal.
Depois daquela rasteira na minha autoestima, não tinha
sentido eu perder a chance de agarrar o deus grego que me apareceu assim de
repente, depois de um largo tempo de secura. Era a oportunidade de sair do
buraco. Só não contava com o fato de que aquela figura mitológica tinha uma
estranha obsessão: ele dormia, comia e vivia futebol desde que saltou fora do
ventre materno. E desconfio que só se interessava por mulher porque o lay out
desta, tinha redondezas semelhantes às de uma bola.
E se um bem maior se alevantava, eu ia virar praticamente um
mix de Cristiano Ronaldo com Galvão Bueno. Zagueiro, impedimento, falta,
pênalti, atacante, linha de fundo, corner, passaram a fazer parte do meu
vocabulário diário. Queimei pestanas numa pós graduação no google. Xingar a mãe
do juiz também fazia parte do meu novo aprendizado, não obstante fosse difícil
detectar a hora certa de lançar os impropérios, porque eu nunca sabia contra
quem ou a favor de quem o senhor de preto estrilava seu apito.
Ao invés do couro macio das poltronas de cinemas, teatros e
restaurantes, o cimento duro das arquibancadas passou a
acariciar meu traseiro pelo menos, uma vez por semana.
A princípio, aqueles 22 marmanjos correndo atrás de uma
bolinha por longos 90 minutos era algo um tanto monótono, pra não dizer meio
ridículo e a histeria deslavada de um estádio inteiro, escapava à minha modesta
compreensão.
O tempo foi passando, meu deus grego só tinha olhos para
aquelas criaturas atléticas com sua bolinha solitária e eu só tinha olhos para
ele. Nos intervalos eu agitava bandeiras e tentava agitar seu interesse pela
minha pessoa. Infelizmente, nunca logrei sacudir as redes do seu tesão com uma
cabeçada certeira, uma bicicleta ou uma folha seca, ou outras posições do kama
sutra futebolístico. Minhas tentativas sempre batiam na trave.
O tempo foi passando e me cansei de ser atriz coadjuvante
naquela ópera esportiva. Cansei de só encontrá-lo nas reentrâncias. Decidi que
meu deus grego não estava com aquela bola toda. O verdadeiro espetáculo estava lá
embaixo no gramado. E cada vez meus olhos se voltavam mais pra lá.
Só ao botar pra escanteio e driblar a criatura que se
colocava entre mim e o gramado é que
entendi a emoção de um gol de placa e quão libertador é o chute certeiro nas
redes da independência. Desde então, não importa quem ganha ou quem perde. Não
dependo do resultado do jogo em si. Isso são circunstancias. No momento
libertador do gol, não importam subordinação e reticências.
Hoje, confesso que mantenho os deuses gregos bem quietinhos
dentro da mitologia. Coloco meu traseiro no cimento frio e fico de olho em 22
deuses de carne e osso. Mantenho sob controle a bolinha, vigio de perto o homem
de preto. E se duvidar dou um carrinho em quem barrar meu caminho até o âmago
do meu desejo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário