quarta-feira, 20 de maio de 2015

CARECE SONHAR
 Solange Amado 
Nabokov sonhava com a Lolita e dormia com a Vera, eu durmo com meu travesseiro e sonho com o George Clooney. A vida é uma mixórdia. A realidade é dura. Por essas e outras é que eu recomendo o sonho. Não que eu recomende o mundo da lua como rota principal na escalada desse Himalaia espinhoso que é a vida. Não carece tanto. Mesmo porque, quando a gente sobe assim tão alto, periga não conseguir descer, e o máximo que podemos atingir daí em diante, é um Hospital Psiquiátrico. Então, já perceberam que é importante assegurar o caminho de volta. Longe de mim querer meter alguém numa bananosa com esses conselhos duvidosos. Tenho ótimas intenções.
E então, esclarecido o primeiro ponto, continuo afirmando que sonhar é imprescindível. Não me perguntem por que. Careço de um número maior de neurônios pra dispor de uma explicação científica capaz de satisfazê-los. Digamos que sonhar é tirar férias da realidade meia boca que nos rodeia.
Eu por mim, vez em quando arrumo as malas, me despeço das minhas prendas domésticas, das miudezas do dia a dia, dos meninos, do cachorro, e vou acampar no glamour de Hollywood. Lá, mesmo com minhas duas polegadas a mais, dou o maior ibope com o George. Abro caminho entre os paparazzi, distribuo autógrafos, piso na calçada da fama com o ar blasé próprio das beldades, e quando fico cansada de tanta bajulação, volto para o meu anonimato. É simples. Sonhar não dá muito trabalho.
Às vezes, meu lado transcendental leva a melhor e procuro pastos mais verdejantes para alimentar a minha alma. Já fui acampar com monges tibetanos: silencio e paz como contraponto a essa loucura poluída do mundo real. Não durou muito, é verdade. Não me adaptei ao jejum, à tigelinha de arroz e ao sino da madrugada, mas não é um sonho de se jogar fora.
A grande sacada é não fazer do sonho um pesadelo. Já vi muito sonho atingir o Cabo das Tormentas e naufragar. Não deixa de ser uma ameaça. O segredo é não deixar o seu desejo ultrapassar a barreira do som. Pisar no freio. Esse é o segredo. Se frequentemente tropeçamos na realidade e podemos deslizar no sonho, não significa que a gente deva ir com muita sede ao pote. Aprendi isso a duras penas.
Minha mãe sonhava alto. Quando a coisa ficava feia, e a coisa frequentemente ficava feia numa casa com 6 crianças, trabalheira, cachorro, gato, papagaio, as labutas de professora e dinheiro curto, ela escapava para os livros; quando os livros não davam conta, ela malhava o piano. Desconfio que esse recurso também tenha ficado pequeno. Então, o jeito era sonhar, e se o tamanho do sonho não dava pra aguentar o tranco, o jeito era sonhar um pouco mais alto – tudo isso e o céu também – sempre um pouco mais alto. Com o olhar perdido desejava o céu. Até que alçou vôo.
Ainda tive esperança de que ela achasse o caminho de volta. Mas é aí que mora o perigo. Não deu.
Acho que foi um sonho bom. O pesadelo ficou do lado de cá. Azar o nosso!



Maria Solange Amado Ladeira      solangesolsal@hotmail.com       25/03/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário