CARECE SONHAR
Solange Amado
Nabokov sonhava com a Lolita e dormia com a Vera, eu durmo
com meu travesseiro e sonho com o George Clooney. A vida é uma mixórdia. A
realidade é dura. Por essas e outras é que eu recomendo o sonho. Não que eu
recomende o mundo da lua como rota principal na escalada desse Himalaia
espinhoso que é a vida. Não carece tanto. Mesmo porque, quando a gente sobe
assim tão alto, periga não conseguir descer, e o máximo que podemos atingir daí
em diante, é um Hospital Psiquiátrico. Então, já perceberam que é importante
assegurar o caminho de volta. Longe de mim querer meter alguém numa bananosa
com esses conselhos duvidosos. Tenho ótimas intenções.
E então, esclarecido o primeiro ponto, continuo afirmando que
sonhar é imprescindível. Não me perguntem por que. Careço de um número maior de
neurônios pra dispor de uma explicação científica capaz de satisfazê-los.
Digamos que sonhar é tirar férias da realidade meia boca que nos rodeia.
Eu por mim, vez em quando arrumo as
malas, me despeço das minhas prendas domésticas, das miudezas do dia a dia, dos
meninos, do cachorro, e vou acampar no glamour de Hollywood. Lá, mesmo com
minhas duas polegadas a mais, dou o maior ibope com o George. Abro caminho
entre os paparazzi, distribuo autógrafos, piso na calçada da fama com o ar
blasé próprio das beldades, e quando fico cansada de tanta bajulação, volto
para o meu anonimato. É simples. Sonhar não dá muito trabalho.
Às vezes, meu lado transcendental leva a melhor e procuro
pastos mais verdejantes para alimentar a minha alma. Já fui acampar com monges
tibetanos: silencio e paz como contraponto a essa loucura poluída do mundo
real. Não durou muito, é verdade. Não me adaptei ao jejum, à tigelinha de arroz
e ao sino da madrugada, mas não é um sonho de se jogar fora.
A grande sacada é não fazer do sonho um pesadelo. Já vi muito
sonho atingir o Cabo das Tormentas e naufragar. Não deixa de ser uma ameaça. O
segredo é não deixar o seu desejo ultrapassar a barreira do som. Pisar no
freio. Esse é o segredo. Se frequentemente tropeçamos na realidade e podemos
deslizar no sonho, não significa que a gente deva ir com muita sede ao pote.
Aprendi isso a duras penas.
Minha mãe sonhava alto. Quando a coisa ficava feia, e a coisa
frequentemente ficava feia numa casa com 6 crianças, trabalheira, cachorro,
gato, papagaio, as labutas de professora e dinheiro curto, ela escapava para os
livros; quando os livros não davam conta, ela malhava o piano. Desconfio que
esse recurso também tenha ficado pequeno. Então, o jeito era sonhar, e se o
tamanho do sonho não dava pra aguentar o tranco, o jeito era sonhar um pouco
mais alto – tudo isso e o céu também – sempre um pouco mais alto. Com o olhar
perdido desejava o céu. Até que alçou vôo.
Ainda tive esperança de que ela achasse o caminho de volta.
Mas é aí que mora o perigo. Não deu.
Acho que foi um sonho bom. O pesadelo ficou do lado de cá.
Azar o nosso!
Nenhum comentário:
Postar um comentário