quarta-feira, 20 de maio de 2015

AMOR DE OUTONO
Solange Amado
Foi o que ele declarou: “Na curva perigosa dos cinqüenta derrapei nesse amor”. Pra Carlos Drumond de Andrade foi o bastante, acho. Começou e acabou por aí, na curva perigosa dos cinqüenta. Pra mim, foi um pouco mais adiante. E não foi uma derrapada, o que me permitiria, mais cedo ou mais tarde, fincar pé e me firmar na minha dignidade. Foi mais uma trombada. Um caminhão fenemê pela frente, e numa curva fatal: a dos sessenta. Ainda não me levantei e nem quero. Pra que?
Meu fusquinha antediluviano vinha pela estrada cochilando por tantos anos que nem viu a curva, nem reparou nos sinais da estrada, nem atentou para o que vinha pela frente, tão à vontade eu estava no volante familiar das minhas emoções.
É isso. Quando os ventos da sexygenariedade me fustigaram, peguei firme as rédeas do meu coração. Nem pensar em sair da estrada. Nada de descompasso. Se CDA, apesar de todos os cuidados, foi derrapar lá atrás na curva dos cinqüenta, era preciso botar as barbas de molho, que nos sessenta o perigo é redobrado. Não que a idade torne a paixão menos ou mais ridícula. Toda paixão é de uma babaquice atroz.  O problema, se querem saber, é a turbulência que sacoleja a vida e nos deixa assim meio que cegos num tiroteio, sem direção. O ridículo não preocupa. É uma palavra que não existe no dicionário do que estão bêbados de amor. E em sendo assim, eu não me importo nem um pouco em subir em cima da mesa e fazer um striptease de emoções, no bar da meia idade, ou de qualquer idade. O medo é descer daí, quando o tempo pra passar a ressaca e recuperar a dignidade se esvai muito depressa.
Pensando bem, isso diz respeito ao futuro e não adianta elocubrar quando só o que eu tenho é o hoje. Por enquanto, só quero me equilibrar nessa incerteza, me lambuzar e abusar do prazer de ser amada e mais ainda: usufruir do presente, desse presente que me foi dado no outono da vida.
Tô atravessando fora da faixa, da faixa etária se insistem, e se vou ser atropelada ou não, isso interessa pouco, porque não há escolha. Se a vida não tem repeteco, é viver e viver.
Cair de cima da mesa de uma paixonite no outono da vida é problemático, como já alertou um amigo. Quedas são perigosas para os mais velhos, a recuperação é lenta e dolorosa e sempre deixa seqüelas. Tá, mas eu vou em frente. Na contramão. Mais seqüelas que a vida já me deixou? Será só mais uma cicatriz ridícula antes que a cortina se feche e o espetáculo termine. A rapa do tacho que eu lambo lubricamente até a última gota. Talvez assim, eu possa exorcizar um medo,  que Mercedes Sosa parecia compartilhar comigo, quando lançava em sua canção, o grito: “que la reseca muerte no me encuentre, vacia e sola sin haber hecho lo suficiente”.  Que a morte árida não me encontre, vazia e só, sem haver feito o suficiente. Deve bastar.



Maria Solange Amado Ladeira     solangesolsal@hotmail.com


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