AMOR DE OUTONO
Solange Amado
Foi o que ele declarou: “Na curva perigosa dos cinqüenta
derrapei nesse amor”. Pra Carlos Drumond de Andrade foi o bastante, acho.
Começou e acabou por aí, na curva perigosa dos cinqüenta. Pra mim, foi um pouco
mais adiante. E não foi uma derrapada, o que me permitiria, mais cedo ou mais
tarde, fincar pé e me firmar na minha dignidade. Foi mais uma trombada. Um
caminhão fenemê pela frente, e numa curva fatal: a dos sessenta. Ainda não me
levantei e nem quero. Pra que?
Meu fusquinha antediluviano vinha pela estrada cochilando por
tantos anos que nem viu a curva, nem reparou nos sinais da estrada, nem atentou
para o que vinha pela frente, tão à vontade eu estava no volante familiar das
minhas emoções.
É isso. Quando os ventos da sexygenariedade me fustigaram,
peguei firme as rédeas do meu coração. Nem pensar em sair da estrada. Nada de
descompasso. Se CDA, apesar de todos os cuidados, foi derrapar lá atrás na
curva dos cinqüenta, era preciso botar as barbas de molho, que nos sessenta o
perigo é redobrado. Não que a idade torne a paixão menos ou mais ridícula. Toda
paixão é de uma babaquice atroz. O
problema, se querem saber, é a turbulência que sacoleja a vida e nos deixa
assim meio que cegos num tiroteio, sem direção. O ridículo não preocupa. É uma
palavra que não existe no dicionário do que estão bêbados de amor. E em sendo
assim, eu não me importo nem um pouco em subir em cima da mesa e fazer um
striptease de emoções, no bar da meia idade, ou de qualquer idade. O medo é
descer daí, quando o tempo pra passar a ressaca e recuperar a dignidade se
esvai muito depressa.
Pensando bem, isso diz respeito ao futuro e não adianta
elocubrar quando só o que eu tenho é o hoje. Por enquanto, só quero me
equilibrar nessa incerteza, me lambuzar e abusar do prazer de ser amada e mais
ainda: usufruir do presente, desse presente que me foi dado no outono da vida.
Tô atravessando fora da faixa, da faixa etária se insistem, e
se vou ser atropelada ou não, isso interessa pouco, porque não há escolha. Se a
vida não tem repeteco, é viver e viver.
Cair de cima da mesa de uma paixonite no outono da vida é
problemático, como já alertou um amigo. Quedas são perigosas para os mais
velhos, a recuperação é lenta e dolorosa e sempre deixa seqüelas. Tá, mas eu vou
em frente. Na contramão. Mais seqüelas que a vida já me deixou? Será só mais
uma cicatriz ridícula antes que a cortina se feche e o espetáculo termine. A
rapa do tacho que eu lambo lubricamente até a última gota. Talvez assim, eu
possa exorcizar um medo, que Mercedes
Sosa parecia compartilhar comigo, quando lançava em sua canção, o grito: “que la
reseca muerte no me encuentre, vacia e sola sin haber hecho lo suficiente”. Que a morte árida não me encontre, vazia e
só, sem haver feito o suficiente. Deve bastar.
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