Ao Luar – com imagem exclusiva
Versos Íntimos – com vídeo
A Obsessão do Sangue
Acordou, vendo sangue… – Horrível! O osso
Frontal em fogo… Ia talvez morrer,
Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! certamente não podia ser!
Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!
No inferno da visão alucinada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu vísceras vermelhas pelo chão …
E amou, com um berro bárbaro de gozo,
O monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhidão!
( Augusto dos Anjos )
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Solitário
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta…
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
-Velho caixão a carregar destroços-
Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
( Augusto dos Anjos )
A Esperança
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!
( Augusto dos Anjos )
Trevas
Haverá, por hipótese, nas geenas
Luz bastante fulmínea que transforme
Dentro da noite cavernosa e enorme
Minhas trevas anímicas serenas?!
Raio horrendo haverá que as rasgue apenas?!
Não! Porque, na abismal substância informe,
Para convulsionar a alma que dorme
Todas as tempestades são pequenas!
Há de a Terra vibrar na ardência infinda
Do éter em branca luz transubstanciado,
Rotos os nimbos maus que a obstruem a êsmo…
A própria Esfinge há de falar-vos ainda
E eu, somente eu, hei de ficar trancado
Na noite aterradora de mim mesmo!
( Augusto dos Anjos )
Soneto
Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarão de morte
E Ela era a minha estrela, o meu único Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!
Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarão eterno d’alma forte -
Astro da minha Paz, Sírius da minha Sorte
E da Noute da vida a Vênus Redentora.
Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,
Ascende à Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!
( Augusto dos Anjos )
Soneto
A Frederico Nietzsche
Para que nesta vida o espírito esfalfaste
Em vãs meditações, homem meditabundo?
- Escalpelaste todo o cadáver do mundo
E, por fim, nada achaste… e, por fim, nada achaste!…
A loucura destruiu tudo o que arquitetaste
E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo!…
De que te serviu, pois, estudares profundo
O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho e a haste?
Pois, para penetrar o mistério das lousas,
Foi-te mister sondar a substância das cousas
- Construíste de ilusões um mundo diferente,
Desconheceste Deus no vidro do astrolábio
E quando a Ciência vã te proclamava sábio,
A tua construção quebrou-se de repente!
( Augusto dos Anjos )
Conheça também:Augusto dos Anjos – Wikipedia
Post completíssio sobre o poeta
Augusto dos Anjos
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