quarta-feira, 28 de setembro de 2016
Ferida Exposta ao Tempo
Affonso Romano de Sant'Anna
É forçoso dizer que me faz falta
o poema que existe e nunca li,
como se alhures
brotassem coisas que não vi
e que distantes,
carentes,
dependessem de mim.
Algo como se o intocado fosse a sinfonia
inacabada, mais: rasgada
como o quadro nunca esboçado, perdido
na abatida mão do artista.
O ausente
é uma planta
que na distância se arvora
e é tão presente
quanto o passado que aflora.
E a literatura, mais que avenida ou praça
por onde cavalga a glória, é um monumento,
sim, de dúbia estória: granito e rima,
alegoria ao vento, lugar onde carentes
e arrogantes
cravamos nosso nome de turista:
-estive aqui, desamado,
riscando a pedra e o tempo
expondo meu sangue e nome
com o coração trespassado.
segunda-feira, 26 de setembro de 2016
TEMOS VAGAS PARA SONHADORES
Eberth Vêncio - in 'Revista Bula'
A taxa de desemprego no país andava um escândalo. Minha falta de inspiração também. Ambas batiam os 15%. “Tempos bicudos”, diziam o meu editor, o IBGE, as Marias e os Josés, por onde quer que eu fosse.
Com um pouco de sorte, eu ainda estaria empregado até que redigisse este texto.
Estava atoa na vida, o meu amor me chamou pra ver a banda passar tocando coisas de amor e também para visitar uma agência de empregos do SINE a fim de conhecer quais eram as demandas do mercado de trabalho no Brasil.
Durante a nossa caminhada, fomos atacados por uma chusma de candidatos a vereador (cada um mais eloquente que outro), vimos bad boys hostilizando um antigo compositor brasileiro chamado Francisco, pisamos em titica de cachorro, cruzamos por um motorista aloprado que gritou “Saiam da frente, pedestres de merda!” (no vidro de trás, um adesivo alertava “Este foi Jesus que me deu”) e ainda assim tivemos o disparate, o bom humor para sonharmos acordados com empregos muito mais que perfeitos.
Eu dizia de um lado. Ela retrucava de outro.
Divertíamo-nos numa espécie de desafio repentista.
Afinal, o mundo ainda tinha vagas para sonhadores.
— Apanhador no campo de centeio! — eu comecei.
— Coreógrafa de flores! — ela disse.
— Rasgador de verbos.
— Poetisa profissional, mas, sem carteira assinada.
— Caçador de mim.
— Pintora de arco-íris.
— Vagamundo.
— Eletricista de vagalumes.
— Cheirador de axilas das Indústrias Avon.
— Domadora de demônios da Assembleia de Deus.
— Dormidor de conchinha, confiável.
— Enxugadora de gelo, obstinada.
— Ghost writer de Zíbia Gasparetto.
— Pajem de tartaruga.
— Afiador de flechas para cupidos.
— Acendedora de relâmpagos.
— Novo messias com experiência comprovada em milagres.
— Animadora de velórios.
— Abanador de moscas.
— Estrategista de orgasmos.
— Dançarino de chuva.
— Chaveira de corações.
— Fonoaudiólogo de árvores.
— Ventríloqua de loucos.
— Arquiteto de planos de fuga.
— Veia bailarina.
— Adestrador de sonhos impossíveis.
— Bela, recatada e do lar.
— Goleiro milagreiro.
— Incendiária de sóis.
— Leiteiro da Via Láctea.
— Confeiteira do pão que o diabo amassou.
— Maestro de passarinhos.
— Boba alegre.
— Cuidador de velhas esperanças.
quarta-feira, 21 de setembro de 2016
Pés no Asfalto
Rosângela Alves
Bom seria se eu tivesse,
na carroça de lembranças,
infância vivida na roça.
Jabuticabas no pé, goiabada no tacho.
Leite ao pé da vaca no curral,
pés na poeira do chão.
Gostaria de inventar
uma infância assim pra mim.
Mas sou bicho da cidade,
nasci com os pés no asfalto,
prisioneiros dos sapatos.
Andei de bonde, tomei sorvete,
tive exaltações no cinema,
não com o por do sol de fato.
Pena, não tenho nos olhos
a cor da terra e os riachos
para criar de memória
um poema em tom rural.
sexta-feira, 16 de setembro de 2016
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
Conversa com Fátima
Na subida
da Raja Gabaglia
Juiz de
Fora e Montes
Claros
dispensaram palavras.
O olhar
do cerrado
captou o
espanto
do Morro
do Cristo.
Não estava
na hora de
escrever.
Era hora
de fazer média
até encontrar
uma idade comum.
Poeira de
lembranças
misturava mariposas
e elas descobriram
que a
palavra afago
era água
doce
e a
eternidade irrompeu
das rendas
de algodão
das sementes
de mostardas
do sangue
de amora.
Galopando no
tempo
Juiz de
Fora e Montes
Claros
deixaram na
Raja Gabaglia
rastros anônimos
de um
encontro na esperança.
“No meio
do terraço o
sabiá me
reconheceu e pousou
vestido de
natureza porque se
soube em território
amigo
e desejou ali
construir seu ninho.”
14/set./2016
quarta-feira, 7 de setembro de 2016
Aniversário de poeta
Homenagem ao Prof. Ronald Claver
autora: Apparecida de Mattos
Não
raro, tenho a
impressão de que
a grande marca
da influência de
Ronald Claver sobre
seus pupilos das
Oficinas de Escrita
pode ser resumida
na expressão: “cultivo
da maluquice”.
Com aquele
seu jeito de
enfant gâté, mas
que não é, quase
cai do boné
quando se recusa
terminantemente a comparar
textos, a fazer
correções, a podar
ou a sugerir,
a ditar regras
gramaticais,a encolher ou
ampliar escritos.
Nos últimos
seis anos, entraram-me
pelos ouvidos e
chegaram-me ao cérebro
dezenas de vezes:
“não censurem”, “estou
acostumado com doideira”,
“deixem a imaginação
falar”, “não planejem
demais”, coisas desse
tipo.
Sem perceber
claramente, fui largando
vírgulas em excesso,
didatismo, quadradice, embora
cometa recaídas. Para
mim, ele é
uma espécie de
guru.
Pois é,
as musas decretaram
que Ronald nasceria
no dia 7
de setembro. Poeta
que se preze
é independente. Se
for também professor,
pratica a pedagogia
da liberdade, da
criação autônoma, da
individualidade consagrada. Poderia
o nosso professor-poeta fazer
anos em outro
dia que não
o dia da
independência da pátria?
Parabéns, mestre.
Obrigada por me
acolher com tanta
generosidade.
7/set./2016
domingo, 4 de setembro de 2016
Escrito em uma camiseta
O machado é de Assis
A bandeira é de Manuel
A rosa é do Guimarães
Feliz é o Jorge que é amado.
A bandeira é de Manuel
A rosa é do Guimarães
Feliz é o Jorge que é amado.
sábado, 3 de setembro de 2016
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