sábado, 18 de junho de 2016

Ela escreve...

                                                                 Adriano Dias
Ela escreve como quem vive.
Tece seu chão, paredes, ar que respira,
os seres de companhia feitos nas letras,
às madrugadas lentas, nunca dormidas,
certa das palavras serem sua vida,
como se a vida mesma,
árdua, cotidiana, difícil,
essa que acorda de relance
e exige nosso diário sacrifício,
fosse a página do divertido romance
que lê nas horas vagas,
pois que lhe acaba,
fecha o volume e volta às formas abstratas:
catedrais, florestas, deidades,
sua mais profunda realidade,
sempre a conceber, riscar, rabiscar,
até que escapam dos papéis,
rolam pela sala, espalham-se pelo ar,
invadem-lhe os mundos todos.
Acham-na louca, os tolos,
acham fuga, o viver assim, introspectiva,
o que para o resto é fantasia.
Ela, alheia, escolhe o sonho -
não o que frustra, sonhado morto
pela massa faminta
(os ricos dinheiros, luxos, conforto),
mas o que constrói com tinta:
os poemas que habita.
Será seu legado
nessa existência torta, bamba,
deixar, quando deixar as vidas (ambas),
como rastro, alternativa, como 'ou',
o reino das letras que a vida toda inventou...

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