sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016


Uma flor se abriu:
Vida rasga a crescer do nada.
Vida sob pedra,
por um quinhão de eternidade.

VARIAÇÕES EM TORNO DE UMA FLOR E O OLHAR DO POETA
            Quero crer que tudo na vida tem um propósito, mesmo aquilo que não é perceptível aos olhos ou à razão. E a falta de sentido pode ser, ela mesma, o sentido de uma coisa sem sentido.
            Se eu pudesse absorver as razões e intenções de tudo que existe, teria uma percepção bem aguçada da vida e estaria no patamar dos chamados eruditos. No entanto, estaria sendo um sábio, entendendo como sábio aquele que sabe tirar proveito da vida?
            Acredito que não. Veja você: o mundo natural, o das ciências e das relações humanas todos eles apresentam milhares, milhões de propósitos, de sentidos a serem desvendados. O erudito é capaz de dissertar sobre muitos, mas o sábio, quando solicitado a emitir sua opinião, pouco terá a dizer.
            Vivemos num mundo onde frequentemente somos cobrados. A toda hora, querem saber nosso posicionamento sobre questões de política, de religião, de tecnologia e de tantas coisas mais. Se eu quiser ter opinião a respeito de tudo, a minha ideia será pequena e fragmentada. Em resumo, como estou correndo atrás de tudo, acabo não sabendo de nada.
            Sábio não é bem aquele que nada sabe, sabendo disso. Sábio é aquele que enxerga a vida sob determinada perspectiva, não em busca de um conhecimento especializado, mas de um saber que seja sabor, que dá prazer, alegria, encantamento.
            Existem diferentes formas de sabedoria. Existe sábio que se encanta com a simplicidade, com as coisas simples, com as manifestações simples. Existe sábio que cuida da beleza; a beleza de uma paisagem, do sorriso de uma criança, de um olhar, de uma flor, do som de uma música ou de uma palavra, a beleza de um silêncio, de um pôr do sol.
            Cada sábio, à sua maneira, procurar pelo saber/sabor da vida. Como sábio, não é uma pessoa egoísta, está disponível, embora nem sempre seja possível compartilhar suas descobertas.
            A poesia é uma das formas de saber/sabor que permite um certo compartilhamento. Aliás, a angústia do poeta é justamente essa busca do compartilhar, muitas vezes sem respostas. Além das limitações linguísticas, ele encontra falta de compreensão e de sensibilidade.
            Um exemplo dessa sabedoria do poeta pode ser encontrado na imagem de uma semente que brota e se transforma em flor. Ela está numa calçada, junto ao asfalto; fica ali se oferecendo para as pessoas que passam, quase todas apressadas e desatentas. Até o dia ou momento em que é percebida pelos olhos de um poeta. Do encontro, brotam estas palavras:
Uma flor se abriu:
Vida rasga a crescer do nada.
Vida sob pedra,
por um quinhão de eternidade.
            Outro poeta, ao ler tal encantamento, acrescenta:
No concreto a vida não se finda...
procura luz onde a sombra imperava.
Explode sol onde a semente ingênua se infiltrara.
            Finalmente, um terceiro, movido mais pela sensibilidade do que pela arte poética, chega a dizer:
A semente que se abre em flor
procura os olhos do poeta
para contar-lhe a beleza.
E o sol explode em alegria
na celebração da vida.

Etelvaldo Vieira de Melo

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