QUADRILHA
Ela era Maria. Havia o João, pai dela. E ainda o Antônio e o
Pedro. Não faltava nenhum elemento na quadrilha. João era quem comandava essa
dança. A dança das cadeiras. Não roubavam bancos porque não havia bancos na
cidade, tirante os bancos da praça, que esses já estavam em estado tão crítico
que não carecia de levar para casa. Ainda assim formavam uma quadrilha. Maria
amava Antônio, que era pobre, e namorava Pedro, que era rico. Azar o do
Antônio! Até aí nenhuma novidade. Acontece que João se arrepiava todo quando
via os olhares que Antônio e Maria trocavam depois da missa das 10, lá na
pracinha. Não acreditava nessa coisa de amor, ou melhor, acreditava piamente no
amor ao dinheiro. Daí, pegava pesado no pé da Maria. Grana trazia respeito, conforto,
prosperidade, e o negócio era trazer Maria na rédea curta, antes que ela
arrastasse de vez a asa por aquele traste do Antônio e aparecesse prenha
qualquer dia desses. Aí, o projeto de casar Maria com Pedro ia de uma vez por
todas por água abaixo.
Aliás, andava meio irritado com Pedro, que ia deixando meio
bambo aquele teretetê com a Maria. No seu entender, homem que é homem parte
direto pros finalmentes, mas tinha de ser paciente com ele. Pedro era
fazendeiro rico, é certo, mas um tanto pra logo. Corria um boato na cidade que
um coice de burro na cabeça prejudicara o plissado das suas ideias; ficou assim
meio troncho, carecia de um empurrãozinho às vezes, de um adjutório pra tomar
umas atitudes, e no que dependesse da mão enérgica do João, o casório não ia
demorar.
Maria encaminhada na vida, dinheiro no bolso e ele pegando as
rebarbas. Era o rumo que as coisas iam tomar.
E tomaram. Dias das bodas chegando. Muita preparação.
Correria. A cidade modorrenta criou vida. Maria saia do caritó e enricava de
vez. Mas Maria não pensava assim. E desde quando devia pensar? A vida toda foi
pra dizer amém ao pai. Não só ela, todo mundo. Pedro era um deles. Nem sabia se
Pedro era capaz de fazer um filho sem ajuda de João. E Antônio? Tinha de
admitir. Antônio era bom nos entretantos, mas nos finalmentes carecia de
coragem. Daquele mato nunca que iria sair coelho. E então?
E a coisa ia nessa marcha. A cidade inteira apostando. Maria
enfrentaria o pai? D. Finoca, a costureira apostava em Antônio, bonito e
charmoso. D. Custódia, mulher do sacristão, ao contrário, acreditava que o
dinheiro, com ou sem a pasmaceira do Pedro, falaria mais alto.
Os dias foram passando. Vigilancia ferrenha do João. Maria ia
acompanhando o andar da carruagem, visitava a costureira, doceiras, bordadeiras.
Preparativos em marcha, de vento em popa. E por que não? Maria sempre tinha
sido a obediência personificada.
Aí chega o grande dia. Todo mundo enfatiotado. Noivo na porta
da igreja. João estourando de orgulho com a festança. E nem sinal de Antônio. Tudo
perfeito.
E toca o povo a esperar. O carro da noiva não chegava. Maria
ficou se aprontando com algumas amigas. Mulher é assim mesmo. A horas passavam.
Angústia. Todo mundo frenético: Maria sumiu!!
A noite já ia alta quando descobriram que o Zé da padaria
também tinha sumido. A compreensão veio vindo e se instalando na moita,
naqueles cérebros embotados de cidadezinha modorrenta: entre o Antônio e o
Pedro havia o Zé.
Até que fazia sentido. Maria buscava pão de manhã, de tarde e
de noite. 5 minutos de café. Prazo suficiente pra rolar um clima. E por que
não?
Não foi o Antonio, não foi o Pedro, não foi o mordomo. Foi o
Zé. Elementar, meu caro Watson!!!