terça-feira, 4 de setembro de 2012

Clarice Lispector


Quero escrever

Quero escrever 
o borrão 
vermelho de sangue 

Quero 
escrever o borrão vermelho de sangue 
com as gotas e coágulos pingando 
de dentro para dentro. 
Quero escrever amarelo-ouro 
com raios de translucidez. 
Que não me entendam 
pouco-se-me-dá. 
Nada tenho a perder. 
Jogo tudo na violência 
que sempre me povoou, 
o grito áspero e agudo e prolongado, 
o grito que eu, 
por falso respeito humano, 
não dei. 

Mas aqui vai o meu berro 
me rasgando as profundas entranhas 
de onde brota o estertor ambicionado. 
Quero abarcar o mundo 
com o terremoto causado pelo grito. 
O clímax de minha vida será a morte. 

Quero escrever noções 
sem o uso abusivo da palavra. 
Só me resta ficar nua: 
nada tenho mais a perder.

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