segunda-feira, 4 de setembro de 2017

QUIMERAS


Já me cansa
ter esperança.

De tanta quimera desfeita
aprendi a existir de sobras,
neste tempo de quases e nuncas.

Morro
de tanto vida por viver.

Calo-me
de quanta palavra esbanjada.

Desvaneço
de tanto beijo adiado.

O meu quarto
é o mundo inteiro sem mundo.

Quem me dera ser anjo
e sentir leve a terra
sob os meus pés alados.

Quem me dera
uma casa de nascença,
quem me dera um lume de crença,
um incêndio de todos os recomeços.

Quem dera
o quarto fosse de barro tenro,
um lugar de príncipe e princípios.

No sono
em que finjo adormecer
perco a noite
e o seu balouço de sonhos.

Sob o umbral da insónia
dou de beber a anjos
que se extinguem
na poeira dos desertos

Mia Couto “Vagas e Lumes“

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